Rodrigo Ratier

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Reportagem

Quando faltam cinema, teatro e museu, escola é caminho para a cultura

Na realidade brasileira, teatro, cinema, museu e outros equipamentos culturais são raros - especialmente nas áreas mais afastadas dos centros urbanos. Já escola tem em qualquer lugar. Essa capilaridade pode e deve ser usada a favor do acesso à cultura para estudantes e para as comunidades do entorno.

A população já começa a fazer essa associação. Pelos dados da pesquisa Hábitos Culturais, realizada pelo Observatório Fundação Itaú em parceria com o Datafolha, 38% dos 2.494 entrevistados dizem realizar atividades culturais em escolas. Ainda é apenas a quinta posição no ranking, atrás de praças ou ruas (60%), igrejas ou espaços religiosos (57%), parques (50%) e shopping centers (39%) - a soma ultrapassa 100% porque a pergunta permite respostas múltiplas. De todo modo, escolas estão adiante de clubes (27%), projetos culturais, sociais e ONGs (25%).

Para Carla Chiamareli, gerente do Observatório Fundação Itaú, é possível e necessário ir além. "A cultura é um direito constitucional, mas ainda pouco acessível, tanto geográfica quanto financeiramente. A escola acaba cumprindo também esse papel de ser um lugar que garante esse direito", afirma.

Há três caminhos de diálogo entre cultura e escola. O primeiro é o currículo regular. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já inclui a Arte como disciplina obrigatória - e a cultura, como herança imaterial humana compartilhada, está presente em maior ou menor escala em todas as outras disciplinas. Uma segunda entrada é por meio da educação em tempo integral. Com o aumento do período que os alunos passam na escola, há mais oportunidades para atividades culturais. Oficinas de teatro, música, danças e artes visuais permitem aprofundamento em diferentes linguagens.

E há a terceira rota, a escola aberta à comunidade. Para Carla, esse potencial ainda não é plenamente explorado pela escassez de políticas públicas que conjuguem educação e cultura. "Precisamos de uma ação intersetorial para pensar a política pública de forma integrada, esse casamento entre educação e cultura, que, a meu ver, é indissociável", diz.

Isso envolve, de um lado, escolas funcionando para além do período de aulas como um convite à população do entorno. De outro, a ida mais frequente da comunidade escolar aos equipamentos culturais da cidade. Além de uma mudança no financiamento da cultura. "Essa integração exigiria um aporte de recursos mais perene. Hoje a cultura ainda sobrevive muito de fomento, o que torna as iniciativas pontuais", afirma.

A proposta pode conflitar com um outro movimento recente, o do reforço na carga horária das aulas de disciplinas "tradicionais" como Língua Portuguesa e Matemática. Para Carla, não há oposição. "Formação técnica e a cultural, são complementares", diz. "Um estudo do Itaú Educação e Trabalho mostra que as empresas contratam trabalhadores pelas competências técnicas, mas que dispensam por falta de competências socioemocionais. Os aspectos comportamentais são os que mais pesam nas demissões de jovens com diploma de nível médio/técnico (77%), atrás de competências técnicas (12%) e as duas, na mesma medida (9%). As atividades culturais ajudam a desenvolver essas competências, que são essenciais para o mercado de trabalho."

A percepção também aparece na pesquisa sobre Hábitos Culturais. O contato com a cultura é tido como importante no desenvolvimento do autoconhecimento (43%), empatia (38%), criatividade (38%), colaboração (34%), comunicação (33%) e pensamento crítico (27%).

O recorte focalizando pessoas que têm filhos (1.013 entrevistados) mostra que familiares e responsáveis também veem benefícios nas rotinas escolares: 93% afirmam que o contato com atividades culturais aumenta o interesse em ir à escola, 94% enxergam contribuição no desempenho escolar, 92% relatam melhora no convívio familiar e 90% no fortalecimento do relacionamento de crianças e jovens com as outras pessoas.

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Carla afirma que sondagens posteriores podem produzir dados mais concretos sobre a influência da cultura nas trajetórias escolares. "Estamos avaliando o impacto de aulas de música em escolas de tempo integral no aprendizado. A expectativa é de que quem participa dessas atividades culturais tenha um melhor desempenho em diversas áreas do conhecimento", diz.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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