Rodrigo Ratier

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Opinião

Um calor dos diabos e a humanidade a caminho do inferno

"Meu amor, olha só, hoje o sol não apareceu." Quem diria que a cena descrita numa canção sobre o apocalipse seria, nos tempos que correm, ardentemente ansiada. Porque fim do mundo é o bafo diabólico de torrar os miolos que temos experimentado. Já não cabe falar em "onda de calor", o calor é o novo normal e o que vem em ondas esparsas é um tempinho ok. A quentura tem o condão de derreter planos perfeitos: um dia ideal na praia não inclui mais o céu azul. Melhor é o tempo fechado, repleto de nuvens, quem sabe até umedecido pela chuva. Ops, chuva desaba tudo, melhor sonhar outro sonho.

Às vezes não sei se é para tanto. Tendo passado um quarto da vida infantil e adolescente em Itanhaém — férias de dezembro a fevereiro —, tenho na memória suadouros de noites infernais na Baixada Santista. Talvez fosse só a escassez de ar condicionado, mas, enquanto não me torno um idiota completo, preciso me ater aos fatos. Há muitos: "Onda de calor muda futebol no Rio"; "Calor intenso põe em debate horário do Carnaval em SP", para ficar em manchetes do fim de semana da Folha de S.Paulo. A mais comovente: "Estresse do clima gera divórcio das aves". E isso antes que a evolução pudesse lhes sugerir a terapia de casal ou o relacionamento aberto.

No jogo da vida, a meta sempre foi a dominação, e na quadra mais recente da história tudo começou quando um indivíduo achou que dava para pegar uma terra de uso comum, meter uma cerca na porra toda e proclamar "é meu". Daí para fritarmos o planeta foi um passo — ok, vários passos —, mas o predomínio do ter sobre o ser e da propriedade roubada, digo, privada, sobre o que era de todos meio que selou o destino que hoje se avizinha. A isso nomeamos capitalismo, mas é complicado admitir que o problema é esse, certo, amiguinhos?

Mas vamos falar de coisa boa! Se for mesmo o fim da aventura humana na Terra, aproveito a ocasião para mandar um grande e forte abraço à humanidade. Foi uma honra ter feito parte dessa coletividade, que ironicamente será aniquilada pela falta de cuidado com o coletivo.

Cometemos alguns erros — nos acharmos superiores à natureza e chupinhá-la até o talo, guerras, racismo e todo tipo de preconceito; o MBL, Fiat Marea e a tomada de três pinos —, mas fizemos coisas maravilhosas. O Carnaval, o molho de estrogonofe, Paris e o já citado ar condicionado, nossa glória e perdição.

(Eu iria mencionar o Santos, mas ainda não decidi em qual categoria encaixar).

Um salve também para nosso Planeta Azul e suas graciosas montanhas, vales, rios e litorais excetuando Balneário Camboriú. E para Oxalá, Alá, Jeová, Tupã, Buda, Deus, Big Bang e demais heterônimos que nos presentearam, sem exigir meritocracia, com o amor e o humor, a amizade, a paternidade, o sexo, o espirro e a Alessandra Negrini.

Chega de gracinhas. Vai se criando um clima terrível, como diria Galvão, o Bueno, e o momento exige acesso às mais altas elucubrações que o ser humano foi capaz de produzir. Estas, por falta de erudição e excesso de calor, não se encontram ao alcance de meu confuso intelecto. De modo que se comecei citando Rádio Táxi (depois Ivete Sangalo), paro por aqui recorrendo a Teletubbies ("É hora de dar tchau") e a Seu Jorge & Ana Carolina ("É isso aíííííííí").

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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