Rodrigo Ratier

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Reportagem

Ensino integral expulsa jovens e adultos da escola, diz especialista

Um estudo da Rede Escola Pública e Universidade (Repu), que reúne pesquisadores de universidades paulistas, aponta para uma drástica diminuição nas matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e no ensino noturno entre 2020 e 2023 no estado de São Paulo.

Segundo dados do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), analisados no estudo, houve uma queda de 61% nas matrículas da EJA presencial no período. Como resultado, cerca de 85 mil jovens e adultos ficaram fora da escola nos últimos quatro anos.

O agravamento do quadro, se deve, especialmente, à expansão do Programa Ensino Integral (PEI) na rede estadual paulista, que gerou um abandono de estudantes impossibilitados de estudar nos dois turnos.

Em entrevista à coluna, a pesquisadora Ana Paula Corti, professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e integrante da Repu, destacou o quadro de exclusão social resultante desta política. Somente no estado de São Paulo, são mais de 11 milhões de pessoas com 25 anos ou mais que não concluíram a educação básica, público potencial da EJA.

"Quem não tem a educação básica completa já está nos últimos lugares da fila do trabalho e da cidadania. São pessoas que não têm possibilidades de estudar o dia inteiro, em especial adultos, mas com uma presença cada vez maior de jovens. Esses públicos estão sendo expulsos da escola" afirma Ana Paula.

O que explica a diminuição das matrículas de EJA no estado de São Paulo?

Ana Paula Corti Os dados do Ministério Público de São Paulo, de 2020 a 2023, incluem dois anos de pandemia. Então sabemos que há números atípicos, por exemplo, de abandono escolar. Esperávamos uma recuperação das matrículas a partir de 2023, no pós-pandemia, e no entanto encontramos uma continuidade na queda. É como se o abandono da pandemia tivesse sido normalizado, levando a uma queda ainda maior das matrículas entre 2022 e 2023.

Isso aponta a ausência de uma política de reforço nessa modalidade?

Sim. No caso da EJA, falamos de um público muito específico, formado por pessoas que já estão no mercado de trabalho, pais e mães de família, às vezes até avós, que foram excluídos da escola e não são vistos pela sociedade como estudantes. Por isso é tão importante oferecer uma escola próxima e num horário flexível, com uma busca ativa para fazer com que essa população volte para a escola, a despeito de todos os fatores sociais que estão a empurrando para fora. Para os jovens, a EJA poderia ser uma porta de retorno para adolescentes que abandonaram o ensino médio regular durante a pandemia. São jovens que abandonaram porque tiveram de trabalhar ou porque a família perdeu renda, entre outros fatores.

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A nota enfatiza os impactos do Programa Ensino Integral (PEI) sobre a oferta da EJA e do ensino noturno na rede paulista. Como isso acontece?

Em 2020, a Secretaria Estadual de Educação criou um novo modelo de educação integral. O turno passou de nove para sete horas, o que possibilitou uma expansão em escala desse modelo não através da construção de novas escolas, mas da transformação de escolas de tempo parcial em escolas de período integral.

Foi um enorme equívoco: na prática, você deixa de oferecer os cursos em período parcial - e, então, vem a pergunta: para onde vão esses alunos? O resultado é um maior abandono, pois alunos que trabalham não têm condições de estudar o dia inteiro, como pede o modelo PEI.

No que diz respeito à educação de jovens e adultos, que é uma modalidade de tempo parcial, houve uma diminuição da oferta, especialmente em escolas de período noturno, impactadas pela expansão do PEI. Houve também superlotação nas salas das escolas que ainda ofercem o tempo parcial.

O ensino em tempo integral é considerado um modelo por diversos especialistas, sendo inclusive objeto de metas ambiciosas pelo governo federal. Você é contra essa ideia de universalização da modalidade?

A lógica que orienta essa expansão do tempo integral tem produzido exclusão. Públicos mais vulneráveis, como o da EJA, estão sendo expulsos da escola. Na prática, o PEI dá mais para quem tem mais e menos para quem tem menos. É absolutamente problemática essa ideia de universalização do ensino integral, especialmente num país em que a universalização do ensino médio, em tempo parcial, está longe de acontecer. Se não há recursos para oferecer nem a vaga de tempo parcial, como oferecer vagas em tempo integral? Isso será feito excluindo uma parte da população do acesso à escola - na educação, os recursos são sempre escassos e muito disputados. Nesse contexto, gestores públicos acabam escolhendo qual parcela da população querem favorecer. Não sou contra a implementação do EJA de forma paralela à oferta integral, mas o problema é substituir uma coisa pela outra nesse cenário de subfinanciamento da educação.

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Qual a melhor estratégia para enfrentamento desse cenário de abandono precoce dos jovens? Fala-se, por exemplo, na bolsa-permanência do estilo "Pé de Meia".

Há experiências bem-sucedidas de equipamentos voltados exclusivamente para a educação de jovens e adultos - vale lembrar, na rede estadual, a EJA é oferecida à noite, de forma secundária, nas escolas regulares. Essa exclusividade dos equipamentos para a EJA permite um maior acolhimento desses jovens e adultos, de modo que eles não se sintam inferiores aos estudantes da educação regular. Além disso, é preciso formar professores capacitados, com formação em serviço, para atender a especificidade desse público, pois dar aula na EJA é muito diferente de dar aula para criança, são outras metodologias de ensino e outros currículos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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