'Fazer em vez de falar' é caminho para o cristão, disse papa em biografia

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"Certa vez, um jovem me perguntou: 'Na universidade, tenho muitos amigos que são agnósticos ou ateus; o que devo dizer para que se tornem cristãos?'. Nada, respondi. A última coisa que você deve fazer é falar. Primeiro, deve fazer; então, quem vir como você vive e administra sua vida é que perguntará: 'Por que você faz isso?' Nesse momento, você poderá falar. Com os olhos. Com os ouvidos. Com as mãos. E só depois com as palavras. No testemunho de uma vida, a palavra vem depois, é consequência."
O episódio é um entre os tantos narrados em Esperança - A Autobiografia, a primeira de um papa na história, lançada no começo deste ano.
A intenção de Francisco (1936-2025) era que o livro fosse publicado apenas após sua morte. "Mas o novo Jubileu da Esperança [nome particular de um ano estabelecido pelo Papa] e as exigências do tempo o convenceram a difundir agora esta preciosa herança", escreve o coautor Carlo Musso, jornalista italiano que desde 2019 entrevistou Francisco e analisou documentos públicos e privados para ajudar a contar a história.
Escrito em ordem cronológica, o livro começa com o naufrágio do Mafalda —o "Titanic italiano", saído de Gênova em 11 de outubro de 1927 com destino a Buenos Aires. Na tragédia, que vitimou ao menos 300 de seus 1.200 passageiros, deveriam estar os avós e o futuro pai de Francisco— que, por falta de tempo para vender seus bens, não conseguiram embarcar (só o fariam dois anos depois). "Por isso agora estou aqui", escreveu o papa. "Vocês não imaginam quantas vezes agradeci à Providência Divina".
Se não traz revelações bombásticas, a obra, acessível e muitas vezes bem-humorada, reforça o reformismo de seu papado. O último capítulo, "Sou apenas um passo", é uma espécie de síntese dos pilares de 12 anos de pontificado.
Dois meses após ser eleito, ao receber os rascunhos do Anuário Pontifício de 2013 - periódico com informações sobre os cardeais, dioceses, bispos e organismos da Igreja -, Francisco solicitou uma alteração: que se relegassem à segunda página os títulos historicamente atribuídos ao papa: Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Soberano, Patriarca. "Pedi que se retirasse tudo isso e deixasse apenas bispo de Roma. (...) Apresentei-me desse modo desde o primeiro dia, simplesmente porque é a verdade."
"Sonho com um papado que seja cada vez mais de serviço e de comunhão", diz ele, a propósito de um encontro ecumênico para a paz no Oriente Médio celebrado em 2018 com 22 chefes das Igrejas cristãs (católicos, ortodoxos e protestantes). Uma experiência "intensa", "um momento lindo", classificou.
A secularização —processo de redução da influência da religião na vida pública e privada— ocupa uma parte importante do último capítulo. Francisco diz que "não há mais secularização na Igreja hoje do que em outras épocas", e que se as novas gerações têm uma relação difícil com a religião isso se deve menos à secularização do que à ausência do testemunho.
Para Francisco, são os testemunhos —a capacidade de viver conforme os ensinamentos, outra forma de dizer "fazer em vez de falar"— que "movem os corações". "No fim da existência, não nos perguntarão se fomos crentes, mas apenas se fomos críveis".
A defesa de uma Igreja em movimento ("uma Igreja fechada e assustada é um Igreja morta") aparece na lembrança do filme A festa de Babette. "Assisto sempre que posso", diz Francisco, a respeito da história em que uma governanta parisiense prepara um banquete para uma comunidade "onde a alegria não é habitual e os habitantes são tão obcecados pelas regras que eles próprios impuseram que as coisas acabam perdendo o sentido". O papa diz que a comemoração "muda tudo, rompe as correntes, recria a comunidade, abre as pessoas para a alegria da existência".
Francisco conclui que a Igreja deve rejeitar a rigidez —"o que não significa cair no relativismo"— e "fugir da tentação de tentar controlar a fé".
Apontando o que talvez seja a cara de um novo conclave, o papa fala sobre o perfil corajoso e não de "medo nostálgico" dos 21 novos cardeais nomeados por ele em dezembro de 2024. Eles vêm de países como Peru, Argentina, Equador, Chile, Japão, Filipinas, Sérvia, Costa do Marfim, Irã, Canadá, Austrália, Itália e Brasil. A diversidade geográfica é "para que sejam o rosto cada vez mais autêntico da universalidade da Igreja. E que disseminem a compreensão de que o título de 'servo' —esse é o sentido do ministério— deve ofuscar cada vez mais o de 'eminência'".
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