Rogério Gentile

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Reportagem

Juiz acusado de dupla identidade disse em sentença ser 'fácil' fraudar RG

O juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, acusado de usar dupla identidade por 40 anos, já tratou em sentenças sobre a facilidade de fraudar um documento de RG. O nome verdadeiro dele seria José Eduardo Franco dos Reis.

"É notória a facilidade de fraudar documento de identidade, dada a fragilidade dos mecanismos de segurança do documento", afirmou o juiz, em seis decisões obtidas pela coluna.

Os comentários do juiz foram feitos em processos abertos por pessoas que diziam estar sendo cobradas por contratos que não haviam assinado.

Uma dona de casa, por exemplo, foi à Justiça em 2013 contra o Santander reclamando estar com o nome sujo na praça. De acordo com ela, o banco fez o lançamento do seu nome nos sistemas de proteção ao crédito (SPC e Serasa), alegando a falta de pagamento de um financiamento bancário que teoricamente teria assinado.

"Todavia, o débito não pertence à requerente [a dona de casa], vez que esta nunca solicitou tal serviço, bem como nunca manteve qualquer relação jurídica com o banco", afirmou seu advogado à Justiça.

O banco se defendeu no processo argumentando que sempre pede documentos originais e que não tem condições de identificar falsificações perfeitas realizadas por quadrilhas especializadas. Além disso, citou que a própria polícia e a Justiça "são levadas a erro por causa desse tipo de falsificação".

O juiz Edward não aceitou a argumentação e determinou o pagamento à dona de casa de uma indenização por danos morais de R$ 13.560,00.

"O réu [Santander] foi negligente e imprudente ao firmar contrato de financiamento, sem detido exame dos documentos apresentados e sem buscar referências da pessoa que se apresentou como sendo a autora", declarou o juiz na sentença. "Cabia ao réu cercar-se de cuidados para perfeita identificação daquele que se apresenta como postulante ao crédito, antes de aceitar o negócio."

Além desse caso, a coluna obteve decisões de Edward semelhantes em processos movidos contra a Tim, a Eletropaulo, as Lojas Cem, a Claro e a Atlântico Investimentos. Em todas, ele cita a facilidade de se fraudar documentos de identidade.

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Falsidade ideológica

Segundo denúncia feita pelo Ministério Público em fevereiro, o juiz Edward chama-se, na verdade, José Eduardo Franco dos Reis. O Ministério Público, que o acusa de falsidade ideológica, disse que em 1980, quando tinha 22 anos, Reis conseguiu obter um RG em nome de Edward, criando uma nova personalidade.

Com esse documento, ele entrou na Faculdade de Direito da USP e, em 1995, foi aprovado em concurso para magistratura. Foi juiz até se aposentar em 2018.

Interrogado pela polícia, Reis disse que Edward é seu irmão gêmeo e que o conheceu apenas nos anos 80, quando ele se mudou da Inglaterra para o Brasil. Afirmou ser artesão e negou ter dupla identidade.

Ele disse ter conhecido o irmão já adulto, pois seu pai tinha doado Edward, recém-nascido, para outra família. Declarou que apenas soube da existência do irmão após a morte do pai. Segundo Reis, Edward voltou para a Inglaterra após a aposentadoria.

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O Ministério Público não acreditou na versão: "de forma ardilosa, por mais de 40 anos, ele enganou quase a totalidade das instituições públicas e traiu jurisdicionados", afirmou na denúncia o promotor Maurício Salvadori.

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