Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ultraconservadorismo de Damares sequestrou os direitos humanos

A revisão do Plano Nacional de Direitos Humanos com a convocação de um novo grupo de trabalho formado por Damares Alves e seu Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos está cumprindo rigidamente a agenda de disputa e ressignificação no trato dos direitos humanos.
Assim, não se trata mais de "direitos humanos defender bandidos", ou a defesa dos direitos humanos ser uma marca da esquerda ou dos movimentos progressistas. Agora ele sofre um total deslocamento de agenda e prioridade, que vai buscar encurralar organizações, movimentos sociais, ativistas, instituições de décadas de experiência e atuação na defesa dos direitos humanos.
Nos Estados Unidos, o chamado novo conservadorismo tem relação direta com os passos dados pelo país em direção à amplitude de direitos e reconhecimento de reivindicações de movimentos como gays e negros.
Portanto, o novo conservadorismo foi, sobretudo, uma resposta aos movimentos pelos direitos civis, liderados pelo pastor Martin Luther King, nas décadas de 1950 e 1960. Ele também foi uma resposta à força do movimento LGBT, na ocasião do episódio que ficou conhecido como "a revolta de Stonewall", após a agressão sofrida por gays em um bar em Nova York, em 1969.
O novo conservadorismo também foi uma reação à decisão da Suprema Corte em 1973 de reconhecer a legalização do aborto. Além disso, o fracasso na Guerra do Vietnã mexeu profundamente com o orgulho de machismo e virilidade do homem branco americano.
Novos conservadores aprenderam, ainda na década de 1970, que, mais do que atacar o avanço das pautas progressistas que comprometeram seus privilégios e o que consideravam seus valores, era preciso ressignificar a agenda. Não mais um ataque aos direitos humanos ou à liberdade de expressão, mas disputar o sentido e ocupar a agenda. Com Damares, esta meta foi alcançada com sucesso pelo governo Bolsonaro.
A escolha por não abrir o grupo a representantes da sociedade civil não é apenas uma violação do exercício da democracia pela falta de transparência e participação. Ela é uma ideologização completa da agenda dos direitos humanos, um sequestro do sentido dos direitos humanos por um pensamento ultraconservador e de orientação cristã fundamentalista.
Repetidamente, Damares afirma que "família" e o que ela chama de "direito à vida desde a concepção" são as prioridades de sua pasta. A família segue sendo o grande escudo na narrativa do Ministério dos Direitos Humanos, o que permite a Damares transmitir uma imagem popular e permanecer conectada com os mais pobres.
No entanto, Damares e seu ministério foram, no mínimo, silenciosos, e no limite, coniventes, com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar. O Consea seria fundamental no momento em que a pandemia agravou a pobreza de muitas famílias e 21% das famílias mais pobres ficaram sem renda na pandemia. O Consea seria fundamental para ajudar a pensar uma política de alimentação.
Nas periferias, famílias continuam chorando cotidianamente a perda de suas crianças e jovens, vítimas da violência com arma de fogo e, em grande parte, vítimas de operações policiais.
O Ministério dos Direitos Humanos não apresentou uma única política contra a violência policial. Este definitivamente não é um tema para Damares.
No governo Bolsonaro, o conflito no campo foi o maior dos últimos dez anos e o número de assassinatos nos conflitos também aumentou. Neste número de mortos, estão diversas lideranças indígenas e camponesas, com ameaças inclusive contra suas famílias. Enquanto isso, Damares escancara as portas do acesso às tribos para o trabalho de evangelização de organizações e missões religiosas.
Damares permanece privilegiando sua própria religião nas decisões políticas de seu ministério, enquanto diz lutar pela liberdade religiosa "de todas as crenças". Mas, na prática, Damares e seu ministério estão comprometidos com o combate à tal "cristofobia". Terreiros continuam sendo violados, sobretudo no Rio de Janeiro e em Salvador e não há uma ação efetiva do Ministério dos Direitos Humanos quanto a isso.
Direitos humanos agora é ter armas, quanto mais melhor. Direitos humanos é impedir qualquer debate sobre o aborto e qualidade de vida das mulheres que abortam.
Direitos humanos são as lideranças cristãs fundamentalistas terem liberdade para falarem o que quiserem, defenderem o que quiserem, mesmo contrariando o direito de escolha ou identidade de alguém.
Os direitos humanos no Brasil estão definitivamente indo embora.