Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Justiça por Floyd quebra (por um momento) impunidade da supremacia branca
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As vítimas negras da brutalidade policial nos Estados Unidos saíram nesta terça-feira (20), ao menos por um momento, da noite mais escura. E este momento se tornou histórico.
A condenação do ex-policial Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd não tem precedente, e dificilmente alguém de fora da cultura norte-americana pode dimensionar com precisão o que isto significa.
Em muitos casos, uma câmera foi protagonista. E foi devastador ver que isso não foi suficiente.
Foi devastador para a comunidade afro-americana ver em 1991 o espancamento de Rodney King, o linchamento em 1955 de Emmet Till, de 14 anos, e ainda os enforcamentos de tantos negros no sul dos Estados Unidos na era da segregação.
Foi doloroso ver um júri branco dar a absolvição para todos os policiais brancos que por pouco não levaram King à morte, deixando sequelas e marcas que ele nunca perdeu.
A polícia e a supremacia branca, nos EUA, veem a si mesmas como instituições intocáveis.
Quando o vigilante George Zimmerman foi absolvido em 2013, esse fantasma voltou, mortal, violento, imponente e impune. O adolescente Trayvon Martin, de 17 anos, desarmado e indefeso, foi impedido de ter justiça.
Barack Obama esperava poder fazer o que Joe Biden pôde fazer hoje: parabenizar a família de Trayvon. Mas tudo o que conseguiu foi lamentar e dizer que Trayvon poderia ter sido seu filho.
Em 2014, Eric Garner e Michael Brown, em um curto espaço de tempo, conheceram a morte pelas mãos de policiais brancos. Seus pais, irmãos, amigos, toda a comunidade negra, também nunca viram justiça.
A polícia nos Estados Unidos é um cavaleiro do apocalipse que consegue ceifar vidas negras, atualizando métodos desenvolvidos na era da escravidão, sem pesar nem culpa.
Dificilmente um negro adulto, uma mulher negra adulta nos Estados Unidos confia um pouco que seja no que as mudanças nas políticas de policiamento podem trazer de forma benéfica para a comunidade negra. Quando não havia lei, havia a mentalidade. As leis foram mudando por décadas, mas a mentalidade racista, violenta e indiferente continua viva.
A condenação de Derek Chauvin fez hoje, por um único dia, as vítimas de décadas saírem da noite mais escura. O que os negros americanos chamam de trauma, a dor que nunca cessa, a ferida evocada por supremacistas brancos insatisfeitos com negros e latinos conquistando direitos e falando alto no país que eles continuam achando que pertence a eles, supremacistas.
A frieza de Chauvin foi determinante. Chauvin não foi condenado por ter assassinado George Floyd, Chauvin foi condenado pela sua frieza. Ela colocou os próprios americanos, brancos, conservadores, o júri, contra a sua própria alma racista. Aquela mão no bolso, aquela segurança, aquele olhar confiante e de desprezo feriu os próprios americanos.
De alguma forma, a condenação de Chauvin tem um efeito global. Não por uma condição de referência mundial dos Estados Unidos, mas porque as dores da população negra no mundo se conectam, se assemelham.
Hoje, ainda que seja apenas por hoje, todos que perderam o ar com o assassinato de Floyd, puderam respirar o ar que faltava.
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