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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O 11 de Setembro e a lição dos fundamentalismos que não devemos esquecer

Bin Laden ao lado de um de seus aliados, Abu Musab al-Suri, em imagem de 2015 - Abdel Barri Atwan/US Attorney"s Office-SDNY/The Guardian
Bin Laden ao lado de um de seus aliados, Abu Musab al-Suri, em imagem de 2015 Imagem: Abdel Barri Atwan/US Attorney's Office-SDNY/The Guardian

Colunista do UOL

11/09/2021 15h59

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Em todo o mundo, hoje repercute e é lembrado os ataques terroristas contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Entre eles, o mais marcante, obviamente, a destruição das torres gêmeas. O World Trade Center, com as chocantes imagens da colisão dos aviões e o desmoronamento das torres.

Como reação aos ataques, o pós 11 de setembro também inaugura uma nova fase da geopolítica dos Estados Unidos e sua política interna: a islamofobia. E isto nos coloca diante de uma perspectiva política pouco levada em conta nas exaustivas análises sobre os 20 anos do ataque. Como a religião é acionada e tão importante em meio à construção ou de inimigos, ou de unidade nacional.

Apesar de profundamente associado com o islamismo ou terroristas de religião muçulmana, o fundamentalismo nasce em berço cristão, especificamente evangélico, nos Estados Unidos. Esta é informação importante, porque a perda da origem do fundamentalismo no horizonte da história americana diz muito sobre o impacto do 11 de setembro para além do "terror".

É como reação ao liberalismo teológico que um grupo de pastores e teólogos conservadores, em fins do século 19, inicialmente ligados ao Seminário Teológico de Princeton se articulam em torno de um movimento que busca estabelecer um confronto direto ao que consideravam um risco para o "verdadeiro cristianismo".

Em uma conferência de 1910, este grupo, formado basicamente por batistas e presbiterianos, publica 12 volumes de uma obra a qual chamavam "Os Fundamentos", financiados com os recursos de empresários cristãos conservadores. Esse movimento e a publicação destes volumes dão origem ao termo "fundamentalista".

Com isso, eles buscavam estabelecer os pontos que determinariam quem de fato seguia o cristianismo e quem estaria influenciado pelos "ventos modernos" do liberalismo que "permitia tudo". Começava aqui também uma disputa que iria muito além da igreja e dos seminários.

Um exemplo famoso desta disputa acontece em 1925, quando John Scopes, um professor do Ensino Médio "viola" uma lei promulgada no Tennessee, que proibia o ensino de qualquer teoria que negasse que o mundo e a humanidade foram criados por Deus, como a Bíblia descreve. Scopes ensinava a partir do evolucionismo teroizado por Charles Darwin.

O caso acendia um alerta quanto ao papel dos evangélicos conservadores na esfera pública em um país majoritariamente branco, com forte herança escravocrata e segregado. Nas décadas seguintes, a "missão" dos evangélicos fundamentalista passou a ser minar definitivamente qualquer iniciativa que parecesse "descaracterizar" a "verdadeira América".

Em 2001, no 11 de Setembro, quando acontece o ataque terrorista contra as torres gêmeas, assim que a Al Qaeda assumiu a autoria dos atentados e sabia-se que os terroristas eram, portanto, muçulmanos, em meio a dor e escombros, os conservadores americanos viram nascer um novo inimigo para mirar.

O atentado tinha de fato cunho político e religioso. Mas o cunho religioso por parte dos Estados Unidos nunca foi admitido pelas autoridades americanas. Parecia que, de fato, o nacionalismo cristão buscava esta oportunidade há anos para retomar a sua força e a tentativa de estabelecer a "América pura". Nesse momento, o islamismo deixa de ser uma tradição religiosa, como o cristianismo, e se torna uma identidade religiosa "do mal", inimiga da prosperidade cristã do ocidente.

O sentimento de dor e de que algo deveria ser feito diante do ousado ato terrorista provocado pelos terroristas do Al Qaeda foi impulsionado pela afirmação xenófoba e de preconceito religioso dos conservadores evangélicos de que o islamismo traria, em si mesmo, a inclinação para a violência e para o terror.

Assim, os "fundamentos" muçulmanos seriam, portanto, instigantes de atos violentos e contra democracias. Neste momento, a virada de compreensão de "fundamentalismo" acontece, e a expressão se descola da exclusividade dos evangélicos conservadores e se aloja no islamismo. O principal inimigo dos Estados Unidos, agora, é o "fundamentalismo islâmico" e seus terroristas.

A pesquisadora Kristin Du Mez, em entrevista concedida para esta coluna em agosto de 2020, diz que "a militância evangélica foi alimentada por contos fraudulentos da ameaça islâmica, contos que foram promovidos pelos próprios evangélicos" e fala sobre o caso de vários "ex-terroristas muçulmanos" fraudulentos que entraram no circuito evangélico no início dos anos 2000, dizendo aos evangélicos americanos como os muçulmanos queriam matá-los e destruir a América.

É provável que esta associação tenha se tornado bem sucedida, já que muitas pessoas que falam do "terrorismo islâmico" não se imaginam dizendo "terrorismo cristão".

Mas, sim, seguindo essa lógica, nós podemos pensar no atentado do norueguês Anders Breivik, na Noruega, que assassinou mais de 70 pessoas em 2001, como um "terrorismo cristão". E, sim, a invasão do Capitólio em 6 de Janeiro de 2021 foi, além de um terrorismo doméstico, um típico "terrorismo cristão" americano.

Embora pareça distante, essa articulação a partir da religião, de construir e desconstruir imaginários ultraconservadores está mais perto do que nunca no Brasil. Um bom aprendizado da tragédia do 11 de setembro, 20 anos depois, para nós, pode ser que a religião nunca deve ser subestimada quanto à sua capacidade de forjar um país fundamentalista, militarizado e punitivista ou cada vez mais vivo nos ideais da diversidade e da democracia.