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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Direita religiosa mira eleição com apoio de 'bolsonarismo exilado' nos EUA

O blogueiro Allan dos Santos (de braços cruzados) participou neste mês de evento com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, (o 1º da dir. para esq.) nos EUA - Divulgação/Lagoinha Orlando Church
O blogueiro Allan dos Santos (de braços cruzados) participou neste mês de evento com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, (o 1º da dir. para esq.) nos EUA Imagem: Divulgação/Lagoinha Orlando Church

Colunista do UOL

22/01/2022 04h00

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De olho nas eleições deste ano, segmentos da direita religiosa nos Estados Unidos e no Brasil estão desenhando uma articulação para fortalecer o campo cristão conservador.

O movimento, que conta inclusive com bolsonaristas nos EUA, tem como objetivo exercer influência durante a campanha eleitoral brasileira e, definitivamente, não perder o espaço conquistado com a ascensão de Jair Bolsonaro.

A proposta é que, mesmo em caso de derrota de Bolsonaro, as forças conservadoras continuem no comando da política brasileira. Com isso, o fundamentalismo e a luta contra a diversidade e minorias sociais continuariam ainda que fora do governo federal.

Nos dias 7 e 8 deste mês, a Igreja Batista Lagoinha, em Orlando (EUA), liderada pelo pastor André Valadão, realizou a Conferência Governe. O encontro contou com personalidades conservadoras que debateram sobre valores cristãos na política.

Entre os participantes, estava o ministro das Comunicações, Fábio Faria, o que lhe rendeu um enorme desconforto ao dividir o palco com Allan dos Santos, blogueiro foragido da Polícia Federal que está nos Estados Unidos.

Esse não foi um evento qualquer, e o convite a Allan dos Santos não foi um mero acaso, como Fábio Faria quis fazer crer em entrevista à Jovem Pan —o ministro disse que Allan foi chamado para substituir um convidado que não compareceu. Havia muitas opções conservadoras brasileiras nos EUA. A presença de Allan segue o projeto de manter o campo cristão conservador —por meio de suas igrejas, movimentos e organizações— mobilizado e fortalecendo a integração ultraconservadora sob o governo Bolsonaro.

Allan dos Santos —que tem origem evangélica, mas se tornou católico, chegando a ser seminarista—intensificou seu discurso cristão para se conectar com uma juventude conservadora que tem se aproximado de encontros com esse perfil político organizado por igrejas como a Lagoinha.

Vale lembrar que Miami e Orlando reúnem cerca de 400 mil brasileiros e que, em 2018, Bolsonaro obteve 91% dos votos dos brasileiros residentes nessas cidades. Na visita do presidente aos EUA, em março de 2020, um encontro com pastores evangélicos locais foi um de seus compromissos.

Também não por acaso, a conferência "Governe" —totalmente fora dos padrões de eventos organizados pelas igrejas Lagoinha— se aproxima, não em formato, mas em ideia, da imponente conferência "America Fest", promovida pela organização de jovens ultraconservadores Turning Point USA em dezembro em Fênix, no Arizona (EUA).

O evento teve como ponto alto, a participação de Kyle Rittenhouse, um jovem recém-absolvido da acusação de assassinato por sair atirando contra manifestantes que protestavam contra a violência policial em Kenosha, no estado de Wisconsin. Rittenhouse tornou-se uma espécie de herói nacional da extrema-direita a ponto de pegar em armas para defender "valores cristãos".

Ambos os países enfrentam, de forma diferente, situações semelhantes. Nos Estados Unidos, a extrema-direita perdeu influência política direta, com a derrota de Donald Trump, mas se mantém viva nos estados. No Brasil, os fundamentalistas podem perder o poder no Executivo, com a saída de Bolsonaro.

O The Send, um movimento evangélico global com sede nos EUA, já mostrou sua capacidade de mobilização no Brasil com as conferências organizadas em fevereiro de 2020, que lotaram simultaneamente três estádios.

Nesses encontros, pastores bolsonaristas, como Silas Malafaia, tiveram o devido espaço para defender o governo Bolsonaro, e o próprio presidente esteve em um dos eventos, em Brasília. Mobilizado para este ano, sempre com a ideia de trabalhar com a juventude, o The Send tem em André Valadão uma de suas conexões entre Brasil e Estados Unidos.

Em outra frente, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, um católico fervoroso que foi considerado um dos responsáveis intelectuais do núcleo ideológico-fundamentalista do governo Bolsonaro, participou do podcast War Room, apresentado pelo ideólogo de Donald Trump, Steve Bannon.

Bannon, ex-assessor da Casa Branca de Trump, ajudou a elaborar o currículo para um curso de liderança em um instituto católico romano de direita na Itália, intensificando seus esforços para influenciar o pensamento conservador na Igreja. Esta "consultoria" foi um dos pontos-chave de conexão entre Araújo e Bannon.

E não é novidade que Bannon continua instrumentalizando a direita religiosa e o nacionalismo cristão nos EUA para aumentar sua influência dentro e fora do país.

Neste ano nada será simples, e já é fato que a relação religião e política pode ser determinante. Mas será a primeira vez que uma força conservadora será forjada simultaneamente, dando um caráter de "guerra cultural global" contra os valores cristãos para ser vencida.