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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Damares e o ministério desumano diante da morte de um jovem africano

7.mai.2020 - A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, em coletiva sobre a crise do coronavírus - Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
7.mai.2020 - A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, em coletiva sobre a crise do coronavírus Imagem: Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

02/02/2022 04h00

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Até o início da noite de ontem, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, liderado pela pastora e advogada Damares Alves não emitiu um único comunicado sobre o assassinato do jovem congolês Moise Kabamgabe, na Barra da Tijuca, no Rio. O silêncio de Damares e sua pasta é tão chocante, neste caso, que dificilmente poderia ser entendido de outra maneira se não uma indiferença, a falta de importância com uma "causa" que está distante de seus interesses.

Obviamente, o Ministério dos Direitos Humanos não tem condições de emitir nota ou levar Damares a se pronunciar oficialmente sobre todas as violações de direitos humanos que acontecem no país. Seria impossível. Mas há casos que, sem qualquer esforço de compreensão, reúnem todas as dimensões possíveis de violações. Elas são atravessadas por uma força de representação e mensagem que faz com que ela praticamente exija uma declaração. Qualquer chefe ou ministro de estado sabe disso, ou deveria saber.

Um homem negro, jovem, um trabalhador em condições precárias, imigrante africano, que chegou ao Brasil fugindo de uma situação de guerra e fome. Este jovem africano foi assassinado, espancado até a morte, a pauladas, em público, com mãos e pernas amarradas para não ter a chance de se defender, no seu local de trabalho, após ter exigido o seu salário atrasado.

Essa barbaridade foi capaz de reunir racismo, xenofobia, aporofobia, exploração de trabalho, má remuneração, condições precárias, covardia e crueldade. É vergonhoso que Damares Alves tenha escolhido ficar em silêncio, mesmo ciente da responsabilidade da sua pasta. É vergonhoso e inaceitável.

Damares tem uma presença diária nas redes sociais. Sua equipe é eficiente em postagens que registram tudo que ela tem a dizer e faz. Todos os seus feitos são prontamente registrados no Twitter. Ela é capaz de interromper a viagem para fazer vídeo mostrando drogas apreendidas pela Polícia Rodoviária Federal em fronteira. Damares chega em minutos em qualquer lugar desse país para impedir um aborto.

Não há explicação plausível para que ela não se prontificasse a ligar para a família de Moise. Um imigrante foi espancado até a morte na nossa casa. É dever dela e de sua pasta fazer isso em nome do país. É diplomacia, além de humano.

No Instagram, mesmo sem tempo para postar absolutamente nada que significasse solidariedade à família do jovem Moise, Damares conseguiu encontrar tempo para postar um vídeo de gosto duvidoso, performando uma apresentadora de programa infantil, afirmando que uma característica do governo do PT, que ela chama de comunista (!!) "desprincesava as meninas".

Exato, "desprincesava". E o seu governo agora estava "princesando" novamente. O vídeo termina com a frase "Bolsonaro, o lobo-mau dos comunistas. Michelle, o terror das bruxas". É inaceitável. Um jovem africano foi assassinado a pauladas. Damares está brincando?

Essa desumanidade só mostra os verdadeiros interesses de Damares, seu Ministério e sua gente. Não há empatia, não há sensibilidade, não sequer compromisso bíblico. Qualquer evangélico sabe, no mínimo, que o estrangeiro, ao lado do pobre, da viúva e do órfão, são categorias caras de representação de cuidado e vulnerabilidade na Bíblia. O caso de Moise é emblemático e está "escrito" em muitas passagens bíblicas, de muitas formas.

Mas Damares quer manter o que ela acredita que lhe garante os votos necessários para o Senado. Vai continuar com essa pirotecnia de combate à aborto, pedofilia, combater "erotização infantil", etc. Esse "pacote", que ela transforma em show nas redes sociais, onde mostra as coisas mais corriqueiras, como entregar vans para Conselhos Tutelares, como se fossem demonstração de trabalho duro.

Por fim, no início da noite de ontem, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos emitiu uma nota. E acho que isso era o que faltava. Quando a titular da pasta não tem a coragem de mostrar o seu rosto para falar em solidariedade e luto como mãe, como pastora evangélica, como advogada, ela já deu o seu recado. É um retumbante "não ligo", "não me interessa".

A nota é pequena, fria, burocrática, sem empatia. É nítido que foi feita forçadamente, para não dizer que não falou nada diante das cobranças. O Ministério dos Direitos Humanos simplesmente não existe.

Justiça para Moise.