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Ronilso Pacheco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os vestígios de raça e extrema direita religiosa de uma guerra

28.mai.2016 - O presidente da Rússia Vladimir Putin acende uma vela na igreja de Protaton, na península grega de Monte Atos, centro administrativo da Igreja Ortodoxa Grega - Alexandros Avramidis/Reuters
28.mai.2016 - O presidente da Rússia Vladimir Putin acende uma vela na igreja de Protaton, na península grega de Monte Atos, centro administrativo da Igreja Ortodoxa Grega Imagem: Alexandros Avramidis/Reuters

28/02/2022 04h59

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A ação de do presidente russo Vladimir Putin também encontra no mundo um ambiente peculiar de articulação da extrema-direita e do fundamentalismo cristão extremista no Ocidente. Enquanto a Hungria se tornou o "estudo de caso" das experiências do nacionalismo cristão ultraconservador com sua agenda de defesa dos "valores morais cristãos ocidentais", a Rússia é a demonstração de força e sede de conquista dessa ideologia.

Antes mesmo de a invasão acontecer oficialmente, no momento em que Putin reconhecia a independência de regiões separatistas da Ucrânia, apoiando aqueles movimentos, foram os representantes do Quênia e de Gana os primeiros a entenderem e denunciarem o significado do que estava acontecendo.

No Conselho de Segurança da ONU, Martin Kimani, do Quênia, disse que a Rússia deveria respeitar sua fronteira com a Ucrânia, usando o passado colonial da África para destacar os perigos de alimentar o que ele chamou de as "brasas de impérios mortos".

Enquanto o Brasil transitava na "neutralidade", o representante do país africano foi taxativo sobre os riscos permanentes de "formar nações que sempre olharam para trás na história com uma nostalgia perigosa".

Não foi por acaso que um embaixador de um país africano foi o primeiro a entender que o imperialismo colonial e o fascismo mantinham seus fantasmas presentes na atualidade através da retórica de Putin. Os países europeus agiram quando se sentiram pressionados e intimidados pelo russo. Os países africanos denunciaram porque a memória colonial foi acionada.

Quando a memória dos países europeus foi acionada - e que, sim, poderiam estar diante de uma nova versão de ascensão do nazismo e de uma guerra mundial - as fronteiras de Polônia e Hungria se abriram imediatamente para receber as centenas de milhares de refugiados ucranianos.

Isto produziu uma imagem muito distinta, por exemplo, das não muito longínquas imagens de refugiados paquistaneses, afegãos e principalmente sírios, fugidos da guerra e conflitos em seus países, barrados na fronteira com Belarus. Para os ucranianos não há fotos com soldados de armas em punho e cercas de arame farpado. Eles são recebidos com abraços, e, obviamente, isso é bom. Mas a guerra também é sobre seletividade de reação, repercussão e acolhida.

Outro aspecto é que a guerra definitivamente não se resume aos espaços físicos bombardeados. Vladimir Putin é hoje, devido o tamanho e o poder bélico da Rússia, um líder poderoso para a extrema direita global. Internamente, ele é a face do nacionalismo cristão russo.

Externamente, ele é cada vez mais considerado a expressão de um fundamentalismo forjado em um nacionalismo cristão global. Ele é admirado por Donald Trump, que chegou a elogiar sua coragem. Ele é idolatrado por Bolsonaro, que vê em Putin o "irmão mais forte" da extrema-direita cristã global, depois de perder Trump como presidente dos Estados Unidos.

O professor Jason Stanley, de Yale, afirma que "o fascismo justifica sua violência oferecendo-se para proteger uma identidade religiosa e nacional supostamente pura das forças do liberalismo". O fascismo no Ocidente, segundo ele, é cada vez mais difícil de distinguir do nacionalismo cristão.

Não será surpreendente como os proponentes da visão de que uma nação cristã precisa de proteção e defesa contra o liberalismo, o "globalismo", a "ideologia de gênero", a proteção da família, dos valores morais segundo a Bíblia, serão levados a suas ações mais violentas.

A historiadora Diana Butler Bass diz que muito dos movimentos políticos de Putin tem mostrado que parte de seu delírio é mesmo "criar uma parceria entre evangélicos americanos, católicos tradicionalistas nos países ocidentais e povos ortodoxos sob os auspícios da Igreja Ortodoxa Russa em uma frente comum contra três inimigos: o secularismo decadente, a ascensão da China e o islamismo".

Ela acredita que o que quer que Putin esteja fazendo na Ucrânia é um "sonho de alguns setores do Ocidente de uma coalizão para unificar os conservadores religiosos em uma espécie de neo-cristianismo supranacional".

É verdade que a Ucrânia tem um movimento de extrema-direita, como o batalhão Azov, uma milícia nacionalista de orientações nazistas. Mas, como lembra Stanley, "nenhum país democrático está livre de grupos nacionalistas de extrema-direita, incluindo os Estados Unidos". O Brasil não está fora desse alinhamento de extrema-direita cristã, haja visto como o governo brasileiro, com relação à Rússia, parece tentar repreender sem repreender.