Votação de PL sobre aborto pode ser o triunfo do fundamentalismo
"O Projeto de Lei nº 1.904/2024 - que equipara o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de gravidez resultante de estupro - pode ser a mais humilhante e ultrajante derrota do governo no campo da defesa de direitos e do debate democrático no país.
Se aprovado hoje, será a vitória inicial do fundamentalismo, do nacionalismo cristão e da "representação evangélica imaginária", que a Bancada Evangélica aprendeu a usar contra o governo e usa, descaradamente, a ideia de que o povo evangélico é um grupo hegemônico e coeso, que segue tacitamente o que ela diz.
É vergonhoso que o governo se recuse a fazer o enfrentamento público desse debate e fazer a rota de colisão com a Bancada Evangélica. Se agir assim, o governo, e cada deputado que, mesmo de oposição, tenha o mínimo de razoabilidade democrática, serão os únicos no país a acreditarem que Sóstenes Cavalcante, Evair Vieira de Melo, e Paulo Bilynskyj são críveis para falar de aborto, crianças e mulheres.
O governo poderia desafiar o deputado Sóstenes, que é pastor, assim como cada pastor da Bancada Evangélica, a dizer no púlpito das suas igrejas, publicamente, no domingo, no culto mais cheio, que:
"Qualquer mulher dessa igreja, ou sua filha, que abortar, essa igreja irá acionar a polícia para que ela seja imediatamente presa e condenada a 20 anos de prisão. Mesmo que ela tenha sido estuprada!".
Eu duvido que eles façam isso. Efetivamente, eles não tem nenhum controle sobre como os evangélicos, no seu dia a dia, na vida real, nos dilemas do cotidiano, lidam com a complexidade de suas vidas.
Pelo amor de Deus! Rodem qualquer pesquisa nas periferias do país e perguntem as mulheres evangélicas se, diante de uma irmã estuprada, que tenha decidido abortar, o que ela decidiria entre o acolhimento e o cuidado, a exclusão da igreja, afastar de suas tarefas na comunidade de fé, ou ser encarcerada por duas décadas.
É uma infâmia típica de fundamentalistas que um projeto que trate de aborto seja assinado por três homens, incluindo um que arrasta consigo uma triste história de morte da companheira.
Ainda que seja importante frisar que o caso foi arquivado e a conclusão é de que ela atirou contra ele e depois se matou, não é a história romântica e ética que um homem poderia apresentar como credencial para decidir sobre? aborto.
Todas as previsões dão conta de que o projeto será aprovado. E eu não tenho a presunção de que um artigo meu impeça que isso aconteça.
Mas vai estar registrado que hoje, horas antes da votação, se realmente entrar em pauta, sem um enfrentamento radical do governo e sua base, eu afirmo categoricamente que o governo não encontrará mais saídas para lidar com esse fundamentalismo chantagista e nocivo para a democracia brasileira. "
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