Filósofa Judith Butler 'volta' ao Brasil após ser hostilizada em 2017

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza nesta semana o seminário internacional "Quem tem medo de gênero?". O seminário faz referência ao livro homônimo da filósofa estadunidense Judith Butler.
Butler é considerada no mundo acadêmico como uma das intelectuais mais frutíferas e influentes do mundo atual. Sua vasta produção aborda desde conflitos geopolíticos à democracia, antissemitismo, luto e não violência.
Mas o que torna Butler globalmente famosa é sua reflexão e produção sobre gênero. Ícone do movimento feminista, seu livro "Problema de gênero", de 1990, é a principal referência no mundo sobre o tema.
Ao aparecer ontem, virtualmente, para falar para um auditório lotado, a filósofa fazia um reencontro com o Brasil, após a sua conturbada passagem presencial em novembro de 2017.
Na ocasião, Judith Butler chegou a ser perseguida e agredida durante seu embarque no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, por um grupo "pró-família" que hostilizava sua presença no Brasil. Aos gritos, diziam que ela "não era bem-vinda aqui". Em "Quem tem medo de gênero", a filósofa afirma que o projeto do livro nasceu após aquele episódio.
Não por acaso, ao fazer a apresentação de Butler para a plateia, descrevendo o seu vasto currículo de formação e produção, um dos organizadores do evento resumiu: "Que este seja um evento reparador da agressão que ela sofreu em 2017".
Era 2017, Jair Bolsonaro era um forte candidato às eleições presidenciais, num país cada vez mais radicalizado, com grupos ultraconservadores se tornando cada vez mais fortes.
Bolsonaro venceu Haddad em 2018, o país mergulhou numa radicalização ainda maior. O fundamentalismo cristão fortaleceu o bolsonarismo. Movimentos pró-vida, pró-família, anticomunistas e adeptos da "escola sem partido" proliferam no país. Polarização, precariedade, radicalização e pandemia.
A volta de Judith Butler ao Brasil se deu virtualmente. Isso não apenas por conta da sua pesada agenda e a longa viagem que seria necessária, mas também pelo temor da organização com a sua segurança. Mas, mesmo virtual, este retorno é emblemático.
Quase oito anos depois, Butler volta a falar num país em que, a despeito de um governo reconhecido como progressista, o Congresso é reconhecido como o mais (ultra)conservador da história.
Num país em que a radicalização extrapolou os limites do inimaginável no Brasil, com a explosão de "homem-bomba" e plano de assassinato dos mandatários do país e um ministro da Suprema Corte.
A filósofa fala num contexto em que Donald Trump voltou à Casa Branca e anima a extrema direita global. Num contexto em que uma jovem estrela da direita radical brasileira, sozinha, constrange o governo a recuar em medidas propostas como justas e necessárias para a população.
O Brasil não estar seguro para a vinda de Judith Butler, oito anos depois de ela ter sido hostilizada e agredida, diz muito sobre o declínio de nossa democracia.
Aliás, na palestra desta quinta-feira, Butler disse que "a democracia só existe porque as pessoas continuam lutando fortemente por sua existência". É isso, a democracia não é, e não será, um presente dado. A democracia vai continuar exigindo muito daqueles e daquelas que querem, e precisam, vencer o medo e as "paixões fascistas".
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