Ronilso Pacheco

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Opinião

Novo papa é legado da estratégia de Francisco para frear ultraconservadores

"Habemus Papam". A expressão mais esperada no mundo, principalmente para o mais de 1 bilhão de católicos, foi pronunciada mais rapidamente do que analistas e fiéis esperavam.

Na tarde de quinta-feira (8), segundo dia do conclave no Vaticano, o cardeal americano Robert Francis Prevost foi anunciado como o novo líder da Igreja Católica. Leão 14 é o novo papa.

Com uma votação tão mais rápida do que o esperado, talvez não fosse uma surpresa para os cardeais aptos a votar no conclave, mas, certamente, a escolha de um cardeal norte-americano foi uma surpresa para grande parte do público. Prevost foi escolhido por pelo menos 89 dos 133 cardeais, dois terços dos eleitores do conclave.

Se, por um lado, Prevost não é um passo à frente do movimento reformista de Francisco, por outro, também já se sabe que ele não vai interditar essas reformas e que está longe da ala conservadora dos bispos dos Estados Unidos.

Mas, sobretudo, a escolha de Prevost, içado a cardeal por Francisco em 2023, é também uma demonstração de que Francisco foi bem sucedido em seu desenho de uma possível sucessão, e que esta não comprometesse o caminho que ele abriu.

Francisco nomeou 108 cardeais dos 135 votantes no conclave. Aqui está incluído Prevost, que vem dos EUA, país cujos cardeais conservadores receberam atenção especial de Bergoglio.

Francisco fez críticas diretas, que se tornaram públicas, à ala conservadora da Igreja Católica dos EUA, acusando tais bispos de sustentarem o que ele chamou de retrocesso e atraso.

Em 2023, ele disse que "gostaria de lembrar a essas pessoas que o atraso é inútil". Na mesma ocasião, afirmou que alguns católicos conservadores americanos ignoram erroneamente grande parte da missão da Igreja e rejeitam a possibilidade de mudança.

Em novembro do mesmo ano, Francisco expulsou o cardeal norte-americano Raymond Burke de seu apartamento no Vaticano e revogou seu salário.

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A atitude foi uma resposta de Bergoglio aos constantes ataques feitos por Burke, que se tornou um dos maiores críticos do papa, unindo em torno de si um grupo de bispos contrários à abertura promovida por Francisco.

Ainda em 2023, Francisco removeu o bispo Joseph E. Strickland do governo pastoral da Diocese de Tyler, no Texas, após uma visita apostólica conduzida por dois bispos, por ordem do próprio Francisco.

Como Burke, Strickland foi um conservador extremamente crítico ao papa, acusando Francisco inclusive de minar a fé católica.

Francisco jogou em silêncio e fez os movimentos necessários. Não é possível afirmar que o papa agora falecido fez exatamente a estratégia que este texto sugere.

Mas não deixa de ser interessante como ele nomeou e deu cada vez mais destaque internamente a um bispo norte-americano que partilha de sua simplicidade e abertura, e que era tão próximo da realidade latino-americana que possui também uma cidadania peruana. Não é possível afirmar que Francisco desenhou esse legado.

Com a eleição de Donald Trump, com o mundo profundamente desestabilizado por sua política imprevisível, seu uso do cristianismo como política retrógrada e autoritária, o ultraconservadorismo católico americano seria uma força cada vez mais incômoda.

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Então Francisco abre caminho para um papa norte-americano alinhado com suas ideias, e que, ao mesmo tempo, freia significativamente o ânimo ultraconservador católico, em tempos de Donald Trump.

Não é possível afirmar se Francisco fez todo este desenho. Mas o conclave, para o qual ele indicou 108 cardeais, entregou um último legado de Francisco que pode ser crucial no momento político atual.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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