Ronilso Pacheco

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Opinião

O Brasil não virou evangélico e segue diverso. Graças a Deus

A ideia de um Brasil que poderia se tornar evangélico nunca teve qualquer âncora com a realidade. A expectativa de que o IBGE mostraria, com seu tão esperado censo, que os evangélicos ultrapassariam, em muito, os 30% da população, mostrou-se, na verdade, uma projeção. Quando a realidade veio, o segmento evangélico, segundo o censo do IBGE divulgado nesta manhã, saiu de 21,6%, em 2010, para 26,9%, em 2022.

Nas últimas décadas, o que definitivamente cresceu muito acima dos 30% foi o número de citações referente aos evangélicos na imprensa brasileira. Evangélicos dominaram o imaginário social brasileiro como um grupo que converteria o país. Há pelo menos duas décadas não há eleições, sobretudo para presidente, em que os evangélicos não ocupem o centro dos debates e da disputa política por seu voto.

A imprensa passou a falar do "voto evangélico", como se fosse possível que indivíduos tão diferentes em classe social, território, raça, gênero, condição financeira, necessidades, herança cultural e familiar etc. pudessem votar, em conformidade, em um mesmo candidato única e exclusivamente por serem evangélicos.

No campo político, a bancada evangélica — esse arranjo político que agrega parlamentares tão diferentes com interesses tão distintos, eventualmente atuando contra um inimigo comum — conseguiu construir e consolidar uma "representação evangélica imaginária", a qual é vendida para mídia, e outros espectros políticos, como sendo detentora das intenções de votos de todos os crentes.

"Conversar com os evangélicos" entrou como mantra de estratégia política de partidos e lideranças à esquerda e à direita, como se fosse possível uma estratégia única de comunicação comum com um grupo para quem a Bíblia é determinante, mas suas interpretações e conexão com a vida cotidiana são tão múltiplas quanto o número de versículos que ela contém.

O Brasil não virou evangélico. Graças a Deus. O Brasil segue sendo diverso, ao ponto de mais pessoas, sobretudo os jovens, se assumirem como sem religião; ao ponto de mais pessoas aderirem e se assumirem como pertencentes a religiões de matriz africana.

Por outro lado, o debate em torno do declínio católico como uma "perda de espaço" é ignorar a presença, o poder e a influência da Igreja Católica no Brasil, que permanecem vivos e longe de serem ameaçados. É verdade, a queda tem se intensificado, saindo de 65,1%, em 2010, para 56,7%, em 2022.

Mas basta pegar o documento "Carta dos Catolicismos Jurídicos Antigênero", publicado pelo Instituto de Estudos da Religião, Iser. Ali, nós podemos ver como aborto, tributação econômica, política trabalhista e agronegócio são temáticas fundamentais para organizações católicas conservadoras que atuam no âmbito jurídico.

Contudo, uma atuação política tão relevante segue no escuro, na invisibilidade da cobertura midiática, dos olhares dos analistas que, hoje, tornam o segmento evangélico não apenas um segmento de interesse político nacional, mas um tema que rende audiência e consumidores.

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A abordagem de "católicos com a maior queda da história" colocada em contraste com o aumento evangélico pode dar a errônea ideia de que há correlações de força. O declínio católico não é perda de espaço. Longe disso.

O Brasil não apenas continua sendo majoritariamente católico, como o imaginário social e cultural do país ainda o segue sendo. O protagonismo político dos evangélicos ainda é insuficiente frente ao peso da influência católica que se espalha solidamente pela herança cultural brasileira.

O censo apresenta sempre um bom desafio de interpretação dos números, o que deve ser feito por pesquisadores que se debruçarão sobre isso a partir de agora.

Mas um recado político já temos: o Brasil é tão religioso quanto diverso, evangélicos são tão diversos quanto religiosos, o Brasil ainda é profundamente católico, e eleições são sobre pessoas e suas vidas, e não tão somente sobre suas religiões.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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