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Rubens Valente

Pressões contra Valeixo começaram em janeiro e Heleno sabia, afirma Moro

General Augusto Heleno - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
General Augusto Heleno Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

05/05/2020 17h44

O ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) afirmou, durante o depoimento prestado à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba no último sábado (2), que as pressões do presidente Jair Bolsonaro para a exoneração do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, começaram em janeiro deste ano e eram do conhecimento do ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Moro disse que a questão sobre a saída de Valeixo "retornou com força em janeiro de 2020, quando o presidente disse ao declarante [Moro] que gostaria de nomear Alexandre Ramagem no cargo de diretor-geral da Polícia Federal e Valeixo iria, então, para uma Adidância [policial]". Segundo o ex-juiz, ele recebeu o pedido "verbalmente no Palácio do Planalto" e "eventualmente o general Heleno se fazia presente".

Moro disse que o "assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas".

A princípio, sempre segundo a sua versão, ele pensou em concordar com a troca "para evitar um conflito desnecessário", mas depois "chegou à conclusão de que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa".

Nomes ligados à família do presidente

"Como Ramagem tinha ligações próximas com a família do presidente, isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio governo, prejudicando até o presidente", disse Moro.

As ligações, prosseguiu o ex-juiz, "são notórias" e começam "quando Ramagem trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral". Moro, contudo, não soube apontar os motivos de Bolsonaro para pedir a saída de Valeixo. "[Os motivos] devem ser indagados ao presidente."

Bolsonaro dizia, "nessa época, que era uma questão de confiança" e que chegou a sugerir dois outros nomes para diretor-geral da PF, em vez de Ramagem, mas os indicados "não tinham a qualificação necessária", na opinião do ex-ministro. Ele citou os nomes dos delegados "Anderson Torres e Carrijo", mas "ambos não tinham história profissional na Polícia Federal que os habilitassem ao cargo, além de também serem próximos à família do presidente".

Por sua vez, o então ministro apresentou dois nomes, dos delegados Fabiano Bordignon e Disney Rosseti. "A troca geraria desgaste para o declarante, mas pelo menos não abalaria a credibilidade da Polícia Federal ou do governo", disse Moro no seu depoimento.

"A substituição sem causa do DG [diretor-geral] e a indicação de uma pessoa ligada ao presidente e a sua família seriam uma interferência política na PF", declarou Moro.

Bolsonaro teria feito cobranças sobre a PF-RJ

A narrativa de Moro passou então para o dia 22 de abril, quando o próprio Bolsonaro teria cobrado, em uma reunião do conselho de ministros, a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro, do diretor-geral e o acesso a "relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal".

Bolsonaro teria dito que iria "interferir em todos os ministérios e quanto ao MJSP [Justiça e Segurança Pública], se não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça". Moro disse que "essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o declarante de uma dessas reuniões".

No dia 23, Moro reuniu-se com Bolsonaro, quando o presidente informou que iria fazer a substituição de Valeixo por Ramagem, segundo o ex-ministro.

Moro retrucou dizendo que seria uma "interferência política na PF". Depois do encontro, Moro foi conversar sobre o assunto com os ministros da chamada "ala militar" do governo, incluindo Heleno, Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Ramos (Secretara de Governo). Moro teria relatado aos ministros "os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade".

Moro disse que falou dos pedidos de Bolsonaro para "obtenção de Relatórios de Inteligência da PF, que inclusive havia sido objeto de cobrança pelo presidente na reunião de conselho de ministros". O ministro Heleno teria sido solidário a Moro, dizendo que "o tipo de relatório de inteligência que o presidente queria não tinha como ser fornecido".

Moro disse que os ministros "se comprometeram a tentar demover o presidente".

A crise, porém, evoluiu até a publicação da exoneração de Valeixo, na madrugada do dia 24, que levou ao pedido de demissão de Moro do ministério no mesmo dia.

No depoimento Moro ainda abordou o interesse do presidente em trocar o chefe da PF no Rio de Janeiro, a desautorização de Bolsonaro após Moro nomear uma conselheira e o episódio do porteiro de seu condomínio na investigação da morte da vereadora Marielle Franco, entre outros temas.