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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Vistoria no AM aponta que governo federal enviou vacinas perto de vencer

23.jan.2021 - Chegada das mais de 130 mil doses da vacina AstraZeneca/Oxford a Manaus, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. As caixas com as vacinas foram levadas para a sede da FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde) - SANDRO PEREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
23.jan.2021 - Chegada das mais de 130 mil doses da vacina AstraZeneca/Oxford a Manaus, no Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. As caixas com as vacinas foram levadas para a sede da FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde) Imagem: SANDRO PEREIRA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

28/04/2021 12h13

No último dia 22, uma equipe formada por uma perita criminal, uma agente de saúde pública e um agente da Polícia Federal entrou em salas e câmaras frias de armazenamento das vacinas contra a Covid-19 em Manaus (AM) para realizar uma visita técnica determinada pela juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe.

A medida foi tomada no decorrer de uma ação civil pública ajuizada pela DPU (Defensoria Pública da União), DPE (Defensoria Pública do Estado) e Ministérios Públicos estadual e federal. Um advogado que atua como amicus curiae na causa informou à juíza no processo ter recebido a informação de que vacinas estavam perto do vencimento. A magistrada mandou apurar.

No relatório da vistoria, os técnicos se mostraram "espantados" com uma informação. O governo federal havia remetido ao Amazonas um lote de 9.900 doses da vacina Astrazeneca no dia 26 de março. Mas o lote venceria apenas 35 dias depois da data, em 30 de abril. No Amazonas, comunidades que aguardam a vacina são localizadas a até dias de viagem de barco, incluindo povos indígenas em territórios de difícil acesso. Logo, apontou a auditoria, o risco do vencimento dos imunizantes é real.

"O que causou espanto na equipe de auditoria foi o fato de o Governo Federal enviar imunobiológicos, em 26 de março de 2021, com prazo de validade a ser expirado em 35 dias após o vencimento. Mais ainda. O referido lote ser destinado ao atendimento/vacinação em locais que apresentam dificuldades de logística para acesso", diz o relatório da equipe autorizada pela juíza.

A equipe de auditores informou que o lote já não estava nas câmaras frias e havia sido distribuído a 26 municípios e localidades no interior do Estado. Uma planilha analisada pela equipe no dia 22 indicou que 3.425 doses do mesmo lote "não foram aplicadas". O controle documental dizia, por exemplo, que nenhuma das 360 doses destinadas à comunidade de Careiro da Várzea havia sido aplicada, assim como 300 de Itacoatiara, 270 de Nhamundá, 230 de Manaquiri e 230 de Presidente Figueiredo. Não é possível saber se o controle das planilhas estava desatualizado.

Os auditores lembraram que a própria FVS (Fundação de Vigilância Sanitária) do governo estadual havia definido que, "considerando a dificuldade de logística para acesso às localidades rurais", as doses do lote da Astrazeneca "deveriam ser distribuídas somente para continuidade da Fase 4 da campanha de vacinação, destinada ao alcance de 48,7% do grupo 'povos e comunidades tradicionais ribeirinhas', diante do maior prazo para a segunda dose, a qual corresponde ao grupo de pessoas na faixa etária entre 35 a 59 anos".

Após a vistoria, a equipe recomendou três medidas. Uma delas é que se encaminhe - não disseram quem deveria encaminhar - "pedido ao governo federal que evite envio de lotes com validade prestes a vencer ao Estado do Amazonas, considerando a notória dificuldade logística em um Estado como Amazonas, que apresenta dimensões continentais e devido a sua peculiar geografia não possui malha rodoviária, dependendo de rios para acesso às populações tradicionais, povos indígenas e não indígenas".

Outra medida sugerida é que os municípios que receberam as vacinas "prestes a vencer ainda no mês de abril", caso não consigam atingir as comunidades mais distantes previstas no Plano Operacional Estadual da Campanha de Vacinação, "racionalizem os esforços para atingir a população estabelecida, caso não haja público, que abram, em caráter emergencial, fila para vacinação de professores, policiais, líderes religiosos e quaisquer pessoas que trabalhem com público grande e sejam, portanto, vulneráveis à favorecer contágio por Covid-19".

Os auditores também sugeriram que a FVS do governo estadual evite enviar aos municípios do interior "lotes com data a vencer em 30 dias da remessa".

Nesta terça-feira (27), após receber o relatório técnico, a juíza federal Jaiza Fraxe acolheu as três sugestões da auditoria e determinou que "os titulares dos respectivos municípios sejam instados a fazer a aplicação imediata de todos os imunizantes, conforme grupos fixados pelo Ministério da Saúde".

"Caso não apareçam interessados relativamente às sobras em vias de vencer (trabalhadores em saúde, idosos, comorbidades, indígenas, quilombolas)", escreveu a magistrada, "apliquem nos policiais e professores em efetivo exercício dos municípios com lotes vencendo em 30/04".

A juíza determinou ainda que a Fundação de Vigilância Sanitária do Amazonas deve, até o próximo dia 2, apresentar "a comprovação de que não foram desprezadas vacinas e a determinação judicial foi cumprida pelos gestores".

Em petição no processo no último dia 19, o defensor regional de Direitos Humanos da DPU, Ronaldo de Almeida Neto, apontou que "a gestão dos imunizantes cabe às Secretarias Municipais e Estadual de Saúde, devendo organizar a disponibilização dos frascos de forma a evitar seu vencimento, utilizando-se, portanto, os mais antigos antes dos mais recentes, caso necessário".

"Ratifique-se a imprescindibilidade de total respeito às prioridades do Plano Nacional de Vacinação e aos cronogramas estabelecidos, de forma que eventual alteração do frasco não configure subterfúgio para a vacinação de pessoas fora dos grupos prioritários", escreveu o defensor da DPU.

A coluna procura o Ministério da Saúde e o governo estadual sobre o assunto. Caso se manifestem, este texto será atualizado.