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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Juíza suspende ato assinado por Mendonça sobre internação de adolescentes

André Mendonça e Bolsonaro - Reprodução
André Mendonça e Bolsonaro Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

12/07/2021 14h55

A juíza da 12ª Vara Federal de Recife (PE), Joana Carolina Lins Pereira, acolheu pedido feito em ação civil pública movida pelas Defensorias Públicas da União e de cinco Estados na noite deste domingo (11) e mandou suspender os efeitos de uma resolução assinada no ano passado pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. A resolução abria espaço para internação sem ordem judicial em comunidades terapêuticas de jovens de 12 a 18 anos com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas.

A magistrada também determinou o desligamento, no prazo de 90 dias, dos adolescentes atualmente acolhidos, com exceção dos casos em que há ordem judicial, e que o Ministério da Saúde se encarregue do acompanhamento dos ex-internados. Ordenou ainda a suspensão de financiamento federal a vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas, salvo aquelas que participam da Rede de Atenção Psicossocial, criada em 2011 no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).

A União poderá recorrer da decisão tanto à juíza quanto ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

No último dia 1º, a DPU (Defensoria Pública da União) e cinco Defensorias Públicas Estaduais (PE, RJ, SP, MT E PR) ajuizaram uma ação civil pública na Justiça Federal de Pernambuco pela qual pediram a suspensão da resolução nº 3/2020 do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas), vinculado ao Ministério da Justiça.

Na ação civil pública, as Defensorias apontaram que a resolução atinge o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) - que completará 30 anos no próximo nesta terça-feira (13) -, que impõe ordem judicial para internações. Afirmaram ainda que a resolução "é ilegal" e contraria "a Constituição da República, a Lei nº 10.216/2001, a Lei nº 11.343/2006 e a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas".

A resolução estabelecia que a adesão à internação dos jovens de 12 a 18 anos incompletos poderia ser feita de maneira voluntária e com autorização de um dos pais ou do responsável legal.

Atualmente no cargo de advogado-geral da União, André Mendonça deverá ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal) na vaga aberta pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio, ocorrida nesta segunda-feira (12).

A resolução foi assinada depois que, em julho de 2019, o governo Bolsonaro alterou a composição do Conad e excluiu as vagas destinadas a especialistas e integrantes da sociedade civil. O órgão passou a ter 14 membros, dos quais 12 destinados a cargos de ministro de Estado ou de indicado por ministérios e órgãos federais. Foram excluídas diversas organizações da sociedade civil, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

Um dos argumentos apresentados pelas Defensorias para pedir a suspensão da resolução do Conad foi a ausência de qualquer apoio, para o texto da resolução, dos conselhos responsáveis pela efetivação do direito à proteção da criança e do adolescente, como o Conanda (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), o CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social), o CNS (Conselho Nacional de Saúde) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Pelo contrário, as entidades divulgaram nota condenando a resolução assinada por Mendonça.

Na sua decisão, a juíza Joana Pereira assinalou que "à luz de todo o panorama legislativo descrito acima, evidencia-se que o aludido Conselho [Conad] extrapolou os limites do seu poder regulamentar". "Note-se que não há, seja na Lei nº 11.343/2006, seja no seu decreto regulamentador (Decreto nº 5.912/2006), qualquer menção ao acolhimento de adolescentes nas entidades mencionadas."

A magistrada concluiu que o Conad "atribuiu a ele próprio a incumbência (e, portanto, a competência) para regulamentar o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas".

"Como já realçado, todavia, trata-se de matéria cuja disciplina incumbe ao órgão criado para a formulação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente - o Conanda. Uma atribuição de tal natureza equivaleria - grosso modo - a uma situação hipotética em que o Ministério da Infraestrutura se autoconcedesse a competência para regulamentar a instalação de grandes empreendimentos na Amazônia, sem a participação do Ministério do Meio Ambiente."

A juíza apontou ainda que o Conad "infringiu sua própria Resolução (a de nº 1/2015), haja vista que o artigo 29, § 1º, desta última determinara, como visto, que a 'edição de normas próprias sobre a matéria' (sobre o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas) deveria se realizar de forma articulada 'com as instâncias competentes das políticas públicas para adolescentes', o que não ocorreu".

A magistrada rejeitou os argumentos apresentados pelo governo federal na ação. A União disse, por exemplo, que "não se poderiam confundir internação e acolhimento". "O vácuo na lei 11.343/2006 não deve ser interpretado como uma autorização implícita para dito acolhimento de adolescentes. Ao revés, a permanência de adolescentes em comunidades terapêuticas - frise-se - contraria a orientação do ECA", escreveu a juíza.

A União também afirmou que "cumpre reconhecer a ausência da probabilidade do direito, a existência de vedação à concessão de liminar de natureza satisfativa e o perigo de dano inverso, além da competência do Ministério da Justiça, através do Conad, para editar a Resolução nº 3/2020, que regulamenta o acolhimento de adolescentes pelas Comunidades Terapêuticas".

Disse ainda, em sua defesa, que "segundo a Nota Técnica nº 21 do IPEA, no Brasil há quase duas mil comunidades terapêuticas, acolhendo cerca de 83.600 pessoas, tratando-se de segmento que tem prestado relevantes serviços ao país, complementando os serviços oferecidos nas esferas governamentais".

A ação civil pública foi subscrita pelos defensores públicos federais regionais de direitos humanos André Carneiro Leão (PE), Maíra de Carvalho Pereira Mesquita (PE), Thales Arcoverde Treiger (RJ) e Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira (MT) e os defensores públicos estaduais Ana Carolina Ivo Khouri (PE), Rodrigo Azambuja Martins (RJ), Ana Carolina Golvim Schwan (SP), Daniel Palotti Secco (SP), Bruno Miller (PR), Rosana Esteves Monteiro Sotto Mayor (MT) e Fábio Barbosa (MT).