Topo

Rubens Valente

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Cobrado pela Defensoria Pública, Amazonas acelera vacinação de presos

Vacinação contra a Covid-19 para jovens a partir de 18 anos nesta quarta-feira (21), no Centro de Convenções Vasco Vasques em Manaus (AM) - Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Vacinação contra a Covid-19 para jovens a partir de 18 anos nesta quarta-feira (21), no Centro de Convenções Vasco Vasques em Manaus (AM) Imagem: Sandro Pereira/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

26/07/2021 17h48

O governo do Amazonas acelerou a vacinação da população carcerária no Estado contra o coronavírus depois que a DPU (Defensoria Pública da União) passou a cobrar a imunização do grupo considerado prioritário. Até o último dia 21, segundo a DPU, que se valeu dos dados oficiais do governo, apenas 18,2% dos encarcerados haviam sido vacinados.

Na população em geral, a atual fase da vacinação em Manaus (AM) já contempla cidadãos acima dos 18 anos de idade. A secretaria de administração penitenciária diz agora ao UOL que já imunizou 100% da população carcerária, mas a informação não bate com as bases públicas de consulta do próprio governo.

De acordo com a DPU, todas as doses necessárias para a imunização do grupo chamado de PPL (População Privada de Liberdade) foram entregues ao governo do Amazonas em maio passado pelo PNI (Programa Nacional de Imunização).

A DPU fez várias cobranças ao governo e chegou a emitir uma recomendação ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) em 14 de junho. Sem obter esclarecimentos da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), que foi procurada duas vezes, a DPU solicitou à 1ª Vara Federal de Manaus (AM), no último dia 21, que determine "a efetivação da vacinação".

"Diante da omissão em esclarecer a razão da não imunização da população em privação de liberdade, embora as doses tenham sido encaminhadas para tanto, restou somente a provocação do Poder Judiciário para garantir a imunização tempestiva deste grupo prioritário", diz a petição da DPU.

Nos últimos dias, os registros oficiais disponíveis à consulta indicam que a imunização passou de 18,2% para 38% em Manaus (AM), onde vivem mais de 11 mil presidiários.

Em e-mail à coluna do UOL nesta segunda-feira (26), a Seap afirmou que "todos os servidores, colaboradores e detentos do sistema prisional já receberam a primeira dose da vacina contra a Covid-19, tanto na capital como no interior do estado. A segunda dose da vacina desse público será aplicada obedecendo ao cronograma abaixo, estabelecido pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) e Secretaria Municipal de Saúde (Semsa-Manaus)".

A Seap foi então indagada pelo UOL sobre os controles oficiais, disponíveis na internet, apresentarem número muito inferior a 100%, mas não houve resposta à pergunta até o fechamento deste texto.

Há duas bases disponíveis à consulta pública e que foram consideradas pela DPU na petição à Justiça a partir de esclarecimentos encaminhados pelo próprio governo. A base da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde) do Amazonas, que trata dos números de todo o Amazonas, indicava, às 16h48 nesta segunda-feira, um total de 2.631 primeiras doses aplicadas no grupo total de 12.477 pessoas privadas de liberdade. Isto é, apenas 21% da massa carcerária teria recebido a primeira dose. A segunda dose foi recebida por apenas 89 pessoas, o que representava uma cobertura completa de apenas 0,7% em todo o grupo prioritário. É a terceira mais baixa cobertura entre os 23 grupos prioritários.

A segunda base disponível à consulta é o Vacinômetro da prefeitura de Manaus. Segundo o levantamento, a vacina teria chegado a 38% da população carcerária da Capital - 4,2 mil vacinados, em um grupo total de 11 mil pessoas.

Proteger encarcerados também protege população livre, diz DPU

Na petição protocolada na Justiça Federal pelos defensores públicos federais Ronaldo de Almeida Neto, que é defensor regional de direitos humanos, e João Thomas Luchsinger, a DPU considerou que "está clara a adoção de critérios não isonômicos, em prejuízo ao grupo prioritário nº 17, o qual, ainda que não houvesse doses destinadas exclusivamente para sua imunização, deve, no mínimo, receber o mesmo tratamento destinado à população em liberdade no que concerne ao acesso ao direito à saúde".

A DPU citou que 620 mil pessoas do Amazonas do grupo dos 18 aos 59 anos de idade já haviam sido vacinadas, embora não integrassem um grupo prioritário, enquanto apenas 1,9 mil presos haviam sido imunizados em Manaus até 21 de julho.

"Ao proteger este grupo [privado de liberdade], também se protege grande parcela da sociedade livre, vez que, ao contrário do que se imagina, as unidades prisionais compreendem um fluxo intenso de entradas e saídas que incluem os profissionais especializados, agentes de segurança prisional e visitantes. Assim, a imunização representa, para além de acesso e fruição do direito à saúde pela pessoa em situação de privação de liberdade, a quebra da cadeia de transmissão viral para aqueles que entram em contato com pessoas que frequentam o ambiente carcerário", explicaram os defensores.

Nas respostas às cobranças que a DPU faz desde junho, o governo do Amazonas, por meio da FVS, primeiro reconheceu que a PPL ocupava a posição 17 no ordenamento dos grupos prioritários. No Estado todo, disse a FVS, havia 12.477 pessoas no grupo.

Em ofício enviado à DPU em 16 de junho, a FVS admitiu que "o grupo das Pessoas Privadas de Liberdade foram atendidas [sic] na 22ª Remessa de Distribuição de Vacinas, conforme Nota Informativa nº 37/FVS-AM, disponível no endereço eletrônico [...], datada de 02.06.2021, que destinou doses de vacinas para 100% da população prevista para a 1ª dose (D1), independentemente da faixa etária".

A FVS indicou o seu endereço eletrônico para acompanhamento da campanha de imunização. Mencionou que "pode haver lapso de registro entre a operacionalização e o registro efetivo desses dados no sistema", mas não deu maiores detalhes.

Por meio de uma nota informativa, a FVS disse que foram recebidas 99 mil doses da vacina Astrazeneca/Fiocruz e 9.360 doses da Pfizer do PNI (Programa Nacional de Imunização). De acordo com a nota, o volume seria suficiente para 100% da "população privada de liberdade e dos funcionários do sistema de privação de liberdade".

A DPU então fez indagações à Semsa (Secretaria Municipal de Saúde), a quem cabe "a responsabilidade sanitária sobre as unidades prisionais" no município de Manaus. O órgão explicou que "ficou definido que a Seap, através da coordenação de saúde, seria a responsável por operacionalizar a vacinação" da PPL.

Caberia então à Seap o fornecimento das "informações acerca da programação e vacinação, incluindo os esclarecimentos acerca das razões da não operacionalização da vacina até o momento na população em privação de liberdade".

A Semsa informou ainda que "a vacinação estava programada para iniciar no dia 7 de junho, porém, devido à onda de ataques violentos ocorridos em Manaus e no interior do Estado do Amazonas, entre os dias 6 e 7 de junho, por parte de grupos criminosos, a Seap-AM solicitou o adiamento da ação, tendo dado início à vacinação no dia 14 de junho de 2021".

Segundo a DPU, a Seap não respondeu aos seus ofícios sobre as razões da demora na vacinação. A Semsa informou que até o final de junho haviam sido vacinados 93% dos funcionários do sistema prisional, contra apenas 18% da massa de encarcerados.

"Observa-se a discrepância de capacidade de imunização em relação à população privada de liberdade e os funcionários do sistema de privação de liberdade, ambos sobre responsabilidade da Seap", diz a DPU.

Procurada, a Seao informou ao UOL nesta segunda-feira, em nota na íntegra:

"A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informa que todos os servidores, colaboradores e detentos do sistema prisional já receberam a primeira dose da vacina contra a Covid-19, tanto na capital como no interior do estado.
A segunda dose da vacina desse público será aplicada obedecendo ao cronograma abaixo, estabelecido pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) e Secretaria Municipal de Saúde (Semsa-Manaus):
Dias 28 e 29/07/2021 - Coronavac para o público acima de 30 anos
Dias 19 e 20/08/2021 - Coronavac para o público acima de 18 anos
Dias 08 a 13/09/2021 - AstraZeneca para o público acima de 40 anos.
Cabe ressaltar, ainda, que todos os colaboradores, servidores e internos com comorbidades e idosos acima de 60 anos já receberam a segunda dose da vacina, completando o esquema vacinal."