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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Estatal feudo do Centrão contraria bloqueio de fiscais e paga empresas

Da esq. para a dir.: o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), o diretor da Codevasf Antônio Rosendo Neto Júnior e o diretor-presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto - Reprodução/Redes sociais
Da esq. para a dir.: o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), o diretor da Codevasf Antônio Rosendo Neto Júnior e o diretor-presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto Imagem: Reprodução/Redes sociais

Colunista do UOL

05/08/2021 07h00

Contrariando duas decisões dos servidores responsáveis pela fiscalização dos contratos, a diretoria de uma empresa estatal considerada hoje um dos maiores feudos do Centrão no governo federal, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), mandou liberar pagamentos que estavam retidos de dois consórcios de empresas responsáveis por manutenção da infraestrutura da transposição do Rio São Francisco.

Os fiscais da Codevasf tinham determinado a retenção, tecnicamente chamada de "glosa", de uma série de pagamentos solicitados pelas empreiteiras de 2020 a 2021. A fiscalização detectou uma discrepância entre os valores dos salários registrados pelas empresas na folha de pessoal e o que estava previsto em cláusula nos contratos. Os fiscais apontaram "pagamento de salário abaixo da planilha orçamentária final".

A glosa, uma medida adotada pela fiscalização de contratos da Codevasf, é uma forma de garantir um certo nível salarial dos operários, engenheiros e outros funcionários das empresas contratadas pela companhia.

As glosas foram determinadas pelos fiscais e coordenadores dos contratos mantidos pela Codevasf com os consórcios TEQ (formado pelas empresas Techne, Engevix e Quanta), referentes aos meses de julho de 2020 a abril de 2021, e COP (Manga/Vector/JPW), de agosto de 2020 a março de 2021. Os fiscais bloquearam cerca de R$ 2 milhões do consórcio COP e cerca de R$ 200 mil do TEQ.

A Codevasf contratou os consórcios COP e TEQ para, respectivamente, "serviços de operação e manutenção das infraestruturas" e "serviços técnicos especializados de apoio às atividades de gestão das infraestruturas" no Pisf (Projeto de Integração do São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional) nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

Os consórcios reagiram às glosas e recorreram à Codevasf. Elas não queriam a exigência da "vinculação dos salários efetivamente pagos com os valores orçados em proposta", mas somente que a Codevasf verificasse o efetivo pagamento das obrigações trabalhistas com respeito aos pisos salariais convencionados coletivamente por categorias e demais encargos legais aplicáveis".

Após o pedido do Consórcio COP, o diretor da AD (Área de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura) da Codevasf, Antônio Rosendo Neto Júnior, abriu um processo administrativo e, ao final, após ouvir outros setores, incluindo a auditoria interna, determinou "estorno imediato da glosa recolhida em todas as medições". Ou seja, determinou os pagamentos.

Além disso, Rosendo defendeu a alteração dos dois contratos, de modo a excluir ou modificar a cláusula contratual usada pelos fiscais para fazer as glosas — a alteração ainda precisa ser referendada pela diretoria colegiada da companhia.

Senador chamou diretor de "meu amigo e compadre"

Técnico da Receita Estadual do Maranhão e ex-secretário estadual de Fazenda, Rosendo é uma indicação do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que integra a base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso Nacional.

Rosendo foi diretor de negócios do BNB (Banco do Nordeste do Brasil) de 2016 a 2020. O diretor de outro setor da Codevasf, a Área de Gestão dos Empreendimentos de Irrigação, é Luís Napoleão Casado Arnaud Neto, que foi indicado pelo presidente da Câmara e um dos principais líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL).

Quando Rosendo foi empossado no cargo na Codevasf, em junho do ano passado, o senador Rocha escreveu na sua conta no Instagram que ele era "meu amigo e compadre". Rocha disse que a AD se tratava da "mais importante diretoria da Codevasf".

O senador Roberto Rocha (PSDB-MA) cumprimenta o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais
O senador Roberto Rocha (PSDB-MA) cumprimenta o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto
Imagem: Reprodução/Redes sociais

A Codevasf foi vitaminada pelo governo Bolsonaro. Por meio de alterações legais, ela passou a ter jurisdição sobre cerca de 36,5% do território nacional, com 2.600 municípios —no começo do atual mandato presidencial, a companhia cobria 27% do país. Quando foi criada, em 1974, ela respondia por 7% do território nacional.

Em 2021, de acordo com o jornal "O Estado de S. Paulo", a Codevasf obteve "um orçamento recorde de R$ 2,73 bilhões, composto principalmente por emendas, mas o governo fez cortes".

No processo sobre a glosa dos valores ao consórcio COP, Rosendo argumentou que "fatos novos" foram trazidos por um "entendimento" produzido pela secretaria-executiva da sua própria diretoria. O órgão passou a concordar com a argumentação das empreiteiras, mencionando o voto de um ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).

Em defesa da sua decisão de bloqueio dos pagamentos, os fiscais fizeram referência a uma glosa anterior, contra o consórcio TEQ. Naquele caso, a Gerência de Operações do Pisf apontou, por meio da nota técnica número 23, de agosto de 2020, que a Codevasf poderia pagar os valores ao consórcio "desde que respeitado o disposto no subitem 10.2" do contrato, que trata da questão salarial.

No sentido contrário, a secretaria-executiva da diretoria de Rosendo argumentou, na sua manifestação, que "o que fora constatado na NT 23/2020 não se aplica de maneira análoga às disposições do presente contrato".

"Ainda, a NT 23/2020 não adentrou minuciosamente na jurisprudência da Corte de Contas, ou ainda de Tribunais Judiciários", escreveu o secretário-executivo da diretoria, Luiz Augusto Costa Fernandes.

Além da auditoria interna, a área jurídica da Codevasf foi ouvida e deu um parecer ambíguo, que autorizou o estorno da glosa, mas ao mesmo tempo escreveu que o assunto "ultrapassa os aspectos jurídicos, sendo necessária a análise do método orçamentário, composição do orçamento estimativo de preços e os critérios de medição e pagamento eleito pela administração dentre outros, elementos não jurídicos, que impedem nossa avaliação".

O parecer jurídico diz que o pedido do consórcio "pode ser deferido pela autoridade competente, que deverá apreciá-lo sob a ótica da conveniência e da oportunidade". Ao mesmo tempo, porém, afirma que o seu pronunciamento "se restringe exclusivamente às questões eminentemente jurídicas. Portanto, estão excluídos da análise os aspectos de natureza técnica, econômica, financeira, bem como os aspectos referentes à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, que são de responsabilidade dos demais órgãos desta empresa pública federal".

Após decidir sobre o pedido do consórcio COP, Rosendo avaliou o pedido anterior, feito pelo Consórcio TEQ. No dia 24 de junho último, por meio da Comunicação Interna nº 29/2021, Rosendo enxergou "convergência indubitável com as razões expostas" e decidiu pelo "deferimento do pleito do consórcio", a fim de determinar "o estorno imediato da glosa recolhida em todas as medições" e a "elaboração, por parte do consórcio contratado, de estudo econômico-financeiro, comprobatório da diferenciação entre a repactuação do contrato em tela com o reajustamento".

Apesar dessa decisão, a Codevasf argumentou, após ser procurada pela coluna, que o segundo caso, que envolve o Consórcio TEQ, "encontra-se em etapa de avaliações jurídica e de auditoria, razão pela qual não houve decisão até o momento". A empresa reconheceu o caso do estorno da glosa contra o Consórcio COP.

Codevasf diz que decisões foram amparadas em pareceres

A reportagem perguntou à Codevasf quantas decisões do gênero (estorno de glosa por pagamento de salário de funcionários abaixo da planilha orçamentária final, contrariando o contrato) Rosendo assinou desde que tomou posse no cargo. Em resposta, a companhia afirmou: "Os referidos processos são os únicos do gênero analisados pela Área de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura".

"A companhia não realiza levantamentos relativos a quantidades de decisões tomadas no âmbito de processos e contratos", disse ainda a empresa.

Sobre os motivos do estorno das glosas, a Codevasf afirmou: "A decisão tomada no processo associado ao Consórcio COP ocorreu em resposta a recurso das empresas e foi amparada por pareceres técnico, jurídico e de auditoria. O processo associado ao Consórcio TEQ encontra-se em etapa de avaliações jurídica e de auditoria, razão pela qual não houve decisão até o momento".

Sobre a alteração contratual solicitada por Rosendo, a companhia respondeu: "Propostas de alteração de cláusulas contratuais visam ao ajuste de instrumentos a leis e acórdãos".

A coluna também perguntou se Rosendo confirmava ter sido indicado pelo senador Roberto Rocha. A empresa respondeu que "nomeações para cargos de direção da Codevasf são avaliadas e deferidas pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração da Empresa. As avaliações observam requisitos técnicos e de experiência indicados pela legislação aplicável e por normas complementares".

Nas suas manifestações à Codevasf, as empreiteiras afirmaram que os contratos são de prestação de serviços "onde o contratado assume trabalhos de operação e manutenção".

A coluna enviou perguntas à assessoria do senador Roberto Rocha sobre a indicação do nome de Rosendo, mas não houve retorno até o fechamento deste texto. Se houver resposta, o texto será atualizado.