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Tales Faria

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Terá Guedes revelado o plano ao dizer que as pessoas querem viver 100 anos?

O presidente Jair Bolsonaro segura cartaz "CPF cancelado" durante visita a Manaus - Reprodução
O presidente Jair Bolsonaro segura cartaz 'CPF cancelado' durante visita a Manaus Imagem: Reprodução

Chefe da Sucursal de Brasília do UOL

28/04/2021 09h16

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"Todo mundo quer viver 100, 120, 130 anos. Todo mundo vai procurar serviço público [de saúde] e não há capacidade instalada no setor público pra isso. Vai ser impossível", disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta terça (27), sem saber que estava sendo gravado, em reunião do Conselho de Saúde Suplementar.

E disse como pensa solucionar o problema: o governo daria um voucher para que os mais pobres possam acessar serviços de saúde privada:

"Vai no [hospital Albert] Einstein se você quiser", disse Guedes, referindo-se ao hospital de elite em São Paulo. "Vai onde você quiser." Segundo o ministro, de voucher na mão, o cidadão terá opção de decidir se quer no Einstein ou num hospital público.

É mais ou menos assim como teria dito a rainha consorte da França, Maria Antonieta, nos tempos conturbados que antecederam a revolução francesa, ao saber que o povo não tinha pão: "Que comam brioche!"

A rainha era tão ignorante que não conseguia concatenar a falta de pães com a falta de dinheiro do povo pobre. Mas Guedes não é idiota.

O ministro da Economia já havia revelado anteriormente sua ideia de que o governo distribua vouchers de atendimento médico à população. As pessoas apresentariam o papel nas unidades de saúde públicas e privadas. Quem tem dinheiro, acrescentaria uma grana ao voucher e poderia ir ao Einstein. Quem não tem, continuaria na rede pública, cada vez mais deteriorada, ou em hospitais vagabundos.

Sobre a rede pública, Paulo Guedes tem tentado de todas as formas acabar com a vinculação de verbas para a Saúde. Enquanto não consegue, vai cortando da forma que pode.

Antes da eclosão da pandemia do coronavírus, em 2019, o governo já havia deixado de empenhar R$ 9,05 bilhões para despesas em Saúde, de acordo com o Tesouro Nacional.

Estudo da Secretaria do Tesouro Nacional apontou: "Há uma forte pressão para elevação das despesas [em saúde] em decorrência do processo de envelhecimento da população, dado que a população de maior idade demanda proporcionalmente mais serviços de saúde."

É o mesmo que Guedes disse agora na reunião do Conselho Suplementar. Ou seja, o plano do voucher já estava revelado.

O assustador é que essa declaração do ministro pode ser interpretada como o vazamento de um outro plano, corroborado por atitudes e declarações de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro: se o estado, a rede de saúde e a Previdência não aguentam o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro, no fundo, essa pandemia ajuda a diminuir os gastos futuros.

Bolsonaro cansou de combater vacinas e máscaras e falar em imunidade de rebanho, que é obtida depois que parte significativa da população é atingida por uma doença.

Na mesma reunião de Guedes, o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, revelou que tomou a vacina contra o coronavírus escondido do presidente.

Mais. Bolsonaro chegou a posar, sorrindo para uma foto em que segura uma placa com a gíria "CPF Cancelado". A expressão é usada no meio policial quando alguém está morto. Na imagem, publicada no perfil oficial do Palácio do Planalto na internet, Bolsonaro aparece ao lado do apresentador Sikêra Jr, após entrevista na TV A Crítica, na sexta-feira, 23.

Estamos chegando a 400 mil pessoas mortas pela pandemia no Brasil e há expectativa de que ultrapassemos meio milhão de vidas perdidas. Meio milhão de pessoas a menos na rede hospitalar do futuro. Meio milhão de pensões previdenciárias a menos.

Deus queira que este não seja o plano.