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Tales Faria

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Só ditadores não sabem, como Bolsonaro, que são funcionários do público

Bolsonaro teria responsabilizado seu líder na Câmara, Ricardo Barros, pelos desvios na Saude, segundo o deputado Luís Miranda - Reprodução
Bolsonaro teria responsabilizado seu líder na Câmara, Ricardo Barros, pelos desvios na Saude, segundo o deputado Luís Miranda Imagem: Reprodução

Chefe da Sucursal de Brasília do UOL

13/07/2021 16h03Atualizada em 13/07/2021 17h12

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É compreensível que Bolsonaro não se sinta como um servidor da coisa pública. Pelo que tem declarado, desde que assumiu o comando do Palácio do Planalto, Bolsonaro acredita que o serviço público é que é feito para atender os desejos de um presidente da República.

Daí porque tem chamado o Exército de "o meu Exército". Bolsonaro faz o mesmo em relação à Polícia Federal e outros órgãos do Estado. Uma postura semelhante à dos monarcas absolutistas.

"L'Etat c'est moi" (o Estado sou eu) teria dito Luís XIV, rei da França e de Navarra nos idos de 1655, segundo Pierre-Édouard Lémontey em seu Ensaio sobre a instituição monárquica de Luís XIV.

A forma de entender seu espaço na coisa pública - como se fosse o Deus Sol, em torno do qual tudo gira - tem sido seguida por quase todos os ditadores ao longo da história, de Gengis Kahn a Josef Stalin, passando por Adolf Hitler.

Esse entendimento é como uma pré-condição para os candidatos a ditador, inclusive aqueles que não conseguiram o posto, como foi o caso de Donald Trump, dos Estados Unidos, que incentivou seus seguidores a invadirem o prédio do Congresso do país e, hoje, vive um quase ostracismo, inclusive ameaçado de prisão.

"Eu entendo que a prevaricação se aplica a servidor público. Não se aplicaria a mim", disse nesta segunda-feira (12) o presidente da República Jair Bolsonaro.

Ele falava sobre a possibilidade de não ter mandado investigar a acusação do deputado Luís Miranda (Podemos-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, de que havia um esquema de corrupção na pasta.

Se foi informado da roubalheira e não tomou previdências, Bolsonaro pode ser enquadrado no crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal Brasileiro, assim definido:

"Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal."

Alguém deve ter soprado no ouvido de Bolsonaro que, segundo o direito administrativo, embora exerça uma função pública, o presidente da República não seria caracterizado como funcionário do serviço público.

O problema, para Bolsonaro, é que o Código Penal é explícito quanto a este caso no seu artigo 327: "Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública."

Ou seja, como ele exerce uma função na coisa pública e a serviço do público, poderá ser sofrer "efeitos penais" caso pratique desvio de recursos públicos ou se omita de evitar que isto ocorra quando tomar conhecimento.

A propósito, o artigo 319 do Código Penal estabelece uma punição, para o crime de prevaricação. Vai de três meses a um ano de prisão, independentemente de outras condenações, para aqueles que exerçam função pública e se omitam de impedir desvios ou malfeitos com a coisa pública.