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Thaís Oyama

Bebianno lembrou que, como Flávio, Bolsonaro gostava de sacar dinheiro vivo

Colunista do UOL

22/06/2020 12h18

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O ex-ministro Gustavo Bebianno morreu sem contar tudo o que sabia e presenciou na campanha e no governo de Jair Bolsonaro.

O ex-aliado de primeira hora do ex-capitão, mais tarde tornado "inimigo" pelo presidente e sua família, morreu em março deste ano, vítima de infarto. Três meses antes, ele deu uma entrevista ao programa 3 em 1, da rádio Jovem Pan. A entrevista foi marcada a seu pedido.

Bebianno queria responder a uma declaração de Bolsonaro publicada na véspera pela revista VEJA. O presidente havia dito à revista desconfiar que um ex-assessor seu, motivado pelo desejo de vingança, poderia estar envolvido no atentado que ele sofreu em 2018 - o assessor teria se frustrado por não ter sido escolhido para ser seu vice. Bolsonaro não citou nomes, mas deixou evidente que se referia a Bebianno. Tratava-se de uma acusação descabida em todos os sentidos, já que nunca houve qualquer indício que a sustentasse, a não ser as fofocas de assessores desejosos de fomentar intrigas e ganhar a atenção do chefe.

Na entrevista em que respondeu à acusação de Bolsonaro, Bebianno, perguntado se tinha medo de morrer, disse ter tomado precauções para o caso de algo lhe acontecer. Revelou ter, inclusive, enviado "um material para fora do país". O ex-ministro se referia ao aparelho de celular com o registro de um ano e meio de conversas com Bolsonaro que ele havia deixado aos cuidados de uma irmã nos Estados Unidos (o celular já foi repatriado).

Bebianno fez ainda dois outros comentários que, à luz dos últimos acontecimentos envolvendo a família Bolsonaro, ganham agora outra dimensão.

O ex-ministro disse que o presidente parecia escolher "a dedo" as piores pessoas para se cercar. Disse que uma, em especial, era "muito perigosa".

Contou que essa pessoa tinha o hábito de intimidar jornalistas e teria inclusive tentado "sequestrar" o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim (o colunista prefere chamar o caso de "tentativa de intimidação", mas confirma que o episódio foi levado aos advogados do jornal, que notificaram Wassef de que, se ele quisesse se comunicar com Jardim, teria de fazê-lo unicamente por meio do departamento jurídico da empresa).

Na época, Bebianno não deu o nome da pessoa "muito perigosa" e próxima do presidente, mas sabe-se agora que ela era o hoje notório advogado Frederick Wassef. Foi na casa de Wassef, advogado de Bolsonaro e de seu filho Flávio, que a polícia encontrou o sumido Fabrício Queiroz na quinta-feira passada.

Investigadores já sabem que Fabrício Queiroz — amigo de mais de 30 anos de Jair Bolsonaro e por ele indicado para ser assessor de Flávio — pagou para o hoje senador despesas como mensalidades escolares e planos de saúde. Tudo com dinheiro vivo sacado de caixas eletrônicos.

O próprio Flávio Bolsonaro era freguês desses caixas. Só em dois meses de 2017, o senador chegou a fazer num caixa da Alerj 48 depósitos, cada um no valor de 2 mil reais.

Quando o episódio veio à tona, o filho mais velho do presidente escreveu no Instagram que agiu assim para não "enfrentar fila" no banco.

E é neste ponto que chama atenção um outro comentário feito por Bebianno na entrevista à Jovem Pan - na verdade, uma confirmação a uma pergunta que lhe foi feita.

Bebianno disse que, durante a campanha presidencial, estranhava o hábito de Bolsonaro sacar dinheiro vivo com frequência.

O ex-aliado fiel e factótum do então candidato disse que Bolsonaro "vivia com o cartão do caixa eletrônico no bolso, fazendo saques, todas as semanas". E afirmou que aquilo lhe chamava a atenção, "porque movimentação financeira dessa maneira não é comum".

Tanto Flávio Bolsonaro, acusado pelo Ministério Público de chefiar uma organização criminosa, quanto o homem que foi colocado no seu gabinete por seu pai e que agora é acusado de ser o operador dessa organização, tinham uma fixação por caixas eletrônicos.

A observação de Gustavo Bebianno vem lembrar que essa estranha obsessão vem de família - e não começou ontem.