Tiago Mali

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Reportagem

Com R$ 100 mil, auxílio-alimentação chegou a passar salário de juiz no Acre

O auxílio-alimentação é um benefício pago tanto no funcionalismo público quanto na iniciativa privada.

Em alguns tribunais, no entanto, o adicional foi pago nos últimos anos em valores que extrapolam em muito o necessário para as refeições.

Levantamento do UOL encontrou 822 pagamentos acima de R$ 10 mil de auxílio-alimentação a juízes, desde 2018.

Há casos de magistrados que receberam mais de R$ 100 mil em um único mês nessa rubrica.

Eis dois tribunais que fizeram pagamentos elevados dos benefícios:

1) TJ-AC

A rubrica "auxílio-alimentação" passou de aproximadamente R$ 1 milhão em 2022 para R$ 10 milhões em 2023, pagos a 123 juízes.

A razão para isso foi o pagamento de retroativos que chegaram a ultrapassar R$ 100 mil num mês.

O tribunal afirma que havia publicado, em dezembro de 2018, uma resolução que aumentava o valor do pagamento de 5% do subsídio (a parte fixa da remuneração) dos juízes para 10% do valor.

Com isso, o auxílio pago em janeiro de 2019 foi de R$ 4.056, em média (R$ 5.700, em valores corrigidos).

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A regional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Acre questionou o reajuste. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em fevereiro de 2019, determinou a suspensão imediata do aumento, o que fez o auxílio pago voltar a uma média de R$ 1.700 mensais.

Pouco mais de quatro anos depois, em 21 de março de 2023, o então corregedor nacional de justiça, Luis Felipe Salomão, passou a permitir que o auxílio-alimentação de 10% fosse pago.

O tribunal decidiu calcular o que teria deixado de ser pago nos mais de quatro anos em que o reajuste esteve suspenso, e somou correção monetária e juros, compondo um pagamento retroativo.

Isso fez com que os magistrados recebessem, em alguns meses de 2023, mais de auxílio-alimentação do que do próprio salário.

Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Acre disse que a medida de pagamento de retroativo é correta e que "reforça seu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito às decisões dos órgãos de controle, atuando sempre com responsabilidade e em conformidade com a legislação vigente".

Leia aqui a íntegra da resposta do tribunal.

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2) TRT24 - MS

A história é parecida no Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, em Mato Grosso do Sul.

O valor pago a 61 magistrados, a título de auxílio-alimentação, passou de cerca de R$ 500 mil em 2021, para R$ 2,5 milhões em 2022.

Com isso, alguns desembargadores receberam mais de R$ 40 mil em um mês, apenas desse benefício.

A fonte dos altíssimos pagamentos também foi um retroativo. O tribunal diz que a decisão de pagá-los se baseou na resolução 133/2011 do CNJ que indica o pagamento de auxílio-alimentação aos juízes.

O pagamento teria sido feito "para corrigir os valores que deixaram de ser pagos para os magistrados, entre maio de 2004 a junho de 2011".

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Leia aqui a íntegra da resposta do tribunal.

Só que o CNJ não fez previsão de pagamento de retroativos antes de 2011.

Em fevereiro de 2025, o ministro do STF Flávio Dino derrubou uma decisão de pagamentos de auxílio-alimentação retroativo a um ex-juiz que também invocava a mesma resolução do CNJ para pedir os penduricalhos.

O ex-juiz pedia que fossem pagos valores de novembro de 2007 a março de 2012 , quando trabalhou como juiz federal substituto.

Na decisão de Dino, o ministro argumenta que "não há na norma qualquer previsão quanto a 'atrasados' anteriores a 2011".

O ministro é duro no texto e diz que "hoje é rigorosamente impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, 'acervo', compensações, 'venda' de benefícios etc)".

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Ou seja, a mesma previsão legal que foi invocada pelo TRT24 para o pagamento de atrasados foi considerada inválida pelo ministro Flávio Dino, mas não há previsão de devolução dos R$ 2 milhões de auxílio-alimentação que os juízes receberam.

Consulte o tribunal do seu Estado

Quer saber quanto cada tribunal paga normalmente de auxílio-alimentação? Leia abaixo um infográfico com os valores nas últimas folhas salariais disponíveis no CNJ:

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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