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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De Mussolini ao 7 de Setembro bolsonarista

O ditador fascista Benito Mussolini, que governou a Itália entre 1922 e 1943 - Getty Images
O ditador fascista Benito Mussolini, que governou a Itália entre 1922 e 1943 Imagem: Getty Images

02/09/2021 19h18Atualizada em 10/09/2021 09h55

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No próximo 7 de setembro, os radicais da ultra direita apelidados "bolsonaristas de raiz" se apresentarão, mais uma vez, vestidos de verde-amarelo. Muitos deles, pelo noticiado, com roupas cortadas ao estilo militar. Talvez miniaturas de fuzis nas lapelas, como se usou, em tempo passado, o fascio littorio e o sigma.

Os fascistas eram monocromáticos e nas manifestações envergavam camisas negras. Seus seguidores brasileiros, da Ação Integralista, usavam camisas verdes, calças pretas e se moviam em concentrações a imitar fileiras militares, sempre com uma banda marcial. Os fujões integralistas ficaram conhecidos como "galinhas verdes", pela debandada, tipo alvoroço de galinheiro, na marca golpista em 7 de outubro de 1934, na paulistana praça da Sé.

Na verdade, pouco importa a cor do invólucro. Conta mesmo a presença da matriz fascista.

Numa análise objetiva, os bolsonaristas e os integralistas de Plínio Salgado representam espécies do mesmo gênero: fascistas.

O presidente Bolsonaro, - está na cara e basta ter olhos de ver-, está tentando usar as manifestações do próximo 7 de setembro, — das quais é o fautor e estará presente em Brasília e na capital de São Paulo—, como prólogo para um golpe de Estado de modelo fascista.

Os bolsonaristas das manifestações do vindouro 7 de setembro inspiram-se nos "camicie nere" e nos "squadristi" armados, ambos atuantes na célebre "Marcha sobre Roma", de 28 de outubro de 1922.

Mussolini queria e conseguiu, por meio da "Marcha sobre Roma", mostrar força e assustar o vacilante rei sabaudo Vittorio Emanuele III, num então vigente regime de monarquia constitucional.

Como se verifica com Bolsonaro, o objetivo de Mussolini sempre foi muito claro, transparente. Conseguiu alcançá-lo e virou o ditador: "il Duce". O capitão Bolsonaro, de melancólica passagem pelo Exército, também pretende virar ditador: "o Mito".

A diferença entre eles consistiu no fato de Mussolini, quando da "Marcha sobre Roma", não estar investido em cargo público. Não era governo, ao passo que Bolsonaro é chefe de Estado e de governo: um preparava golpe, o outro, Bolsonaro, busca um autogolpe.

Mussolini logrou assumir a chefia do governo na condição de primeiro-ministro. Num segundo momento, com um parlamento controlado e com os líderes da "Marcha sobre Roma" levados a integrar o "Gran Consiglio del Fascismo", tornou-se ditador, mantido o rei como "laranja".

Os historiadores apontam em Mussolini as seguintes características: era autoritário, populista, totalitário, reacionário e autocrático. Bolsonaro em nada difere.

Naquele 28 de outubro, Mussolini ressaltou a debilidade das instituições, a Itália quebrada economicamente, sua disposição de cuidar dos conacionais e de garantir a ordem. Mais ainda, que ele tomaria o poder de forma violenta, se preciso. Com os membros do coletivo "Fasci Italiani di Combattimento" já transformado desde 1921 no Partito Nazionale Fascista (PNF), Mussolini guiou a Itália de outubro de 1923 a 25 de julho de 1943.

Na "Marcha sobre Roma" o comando do Exército italiano não estava do lado dos fascistas, mas nada foi feito para impedir a sua realização. O alto-comando assistiu a tudo e os soldados mantiveram-se nos quartéis, em prontidão. As adesões ao fascismo vieram depois, à frente o marechal Pietro Badóglio, que com o declínio do fascismo voltou a mudar de lado, tornou-se "premier" e chegou a ser embaixador italiano no Brasil.

No núcleo-duro dos golpistas mussolinianos estava Emilio di Buono, o comandante das milícias, dos "squadristi", estes membros do braço armado do fascismo. Ou melhor, existia um esquadrão paramilitar para intimidar os cidadãos e reprimir violentamente os adversários políticos: até obrigavam os opositores a ingerir óleo de rícino, tudo a mando de Mussolini.

Bolsonaro conta com as milícias a começar por Rio das Pedras e insuflou as policiais militares estaduais, - ativos e inativos -, com discurso moralista, autoritário e a bater incessantemente na tecla da fraude eleitoral, possível pela utilização do vigente sistema de urnas eletrônicas. Bolsonaro cooptou policiais civis e rodoviários e se imagina apoiado por caminhoneiros dispostos a bloquear estradas. Joga de mão com industriais ignorantes, especuladores inescrupulosos de mercados de capitais e ruralistas predadores.

Registre-se, como exemplo e sem olvidar o "gabinete do ódio", ter o coronel Aleksander Lacerda, - comandante do policiamento paulista da região de Sorocaba - , convocado os seus companheiros de farda, por canais telemáticos, para as manifestações de 7 de setembro e seu mote é "lutar pela libertação do país".

Embora não tenha conseguido uma mudança legislativa para armar a população, Bolsonaro promoveu o desmonte do setor de controle de armas de fogo do pelo Exército.

Para reforço, na sexta feira 27 e durante a fala com os seguidores do "cercadinho", Bolsonaro recomendou à população para comprar de armas de fogo. Tipificou como idiota o cidadão que prefere adquirir feijão em vez de fuzil.

Desde a posse como presidente, Bolsonaro tenta minar as instituições e as suas iniciativas cresceram em progressão geométrica.

Até agora, essas tentativas golpistas não ruíram os pilares institucionais, mas criaram crises e instabilidades. Serviram apenas para animar os radicais, a exemplo do pedido de impechment contra o ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro deu causa e chegou a levar o STF, e isso é extremamente preocupante, a trocar a força da legitimação constitucional e ética por uma arma flagrantemente inconstitucional, arbitrária: inquérito judicial, onde cabe tudo, até para quem não possui foro privilegiado e tem, como relator, um inquisidor de estilo Torquemada.

Em países civilizados, criminosos devem ser contrastados dentro da legalidade. Isso se aplica ainda quando o procurador-geral da República de turno tiver, como Augusto Aras, um perfil filobolsonarista.

Parêntese: a lei-complementar 734/93 aponta como o Conselho Superior do Ministério Público pode processar por prevaricação o chefe do Ministério Público da União. Por outro lado, o Senado conta com poderes, decorrentes do sistema constitucional de freios, para rescindir o mandato do procurador-geral.

Nesse quadro insano produzido por Bolsonaro não deve ser nunca esquecida a sua tentativa quixotesca de envolver as Forças Armadas em golpe ao Estado de Direito, com o apoio de um Sancho Pança, atual ministro da Defesa, general Wálter Braga Netto.

Quanto a isso, foi confortante a manifestação, no Dia do Soldado, do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Esse general-comandante frisou que as Forças Armadas atuam, e continuarão a agir, no cumprimento da Constituição e por ela balizada. Presente à cerimônia, Bolsonaro manteve-se silente.

A fala do comandante do Exercito transmitiu ao cidadão-comum a certeza de haver sido colocada uma pá de cal no uso político das Forças Armadas por Bolsonaro.

Fez água, também, a interesseira interpretação de Bolsonaro sobre a existência, na Constituição, de um "Poder Moderador". Para Bolsonaro, nos dissensos entre poderes ou na manutenção da lei e da ordem, as Forças Armadas, pelo seu chefe-supremo, — ele Bolsonaro—, daria a palavra final.

O referido "Poder Moderador" foi uma criação do pensador e político francês, nascido na Suíça, Henri Benjamin Constant de Rebecque, morto em 1830.

Segundo Benjamin Constant, o "Poder Moderador" só cabe nas monarquias constitucionais. Convém recordar ser republicano o nosso estado nacional.

A história imperial brasileira indica a existência constitucional de um poder moderador, exercido pelo imperador. Incomodado com ele, Pedro II nomeou uma comissão de juristas para estudar a suprema corte dos EUA. Sua meta era acabar com o poder moderador estabelecido na Constituição imperial e deixar a última palavra para um tribunal supremo, como nos EUA.

Com o advento da república em 1889, coube a novo regime, já na sua primeira constituição , a adoção de um sistema de três de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), lastreado em freios e contrapesos, no modelo desenvolvido pelo jus-filófoso Montesquieu.

Numa síntese, o Poder Moderador no Brasil morreu com o fim do império e o STF não tem as suas decisões sujeitas a reexame por outro dos poderes.

Para o 7 de setembro e sem abrir mão do imaginado poder de moderação, Bolsonaro apresenta uma nova e oportunista interpretação constitucional. Pela sua leitura constitucional existem apenas dois poderes, Legislativo e Executivo. Por não ter representantes eleitos pelo povo, o Judiciário não seria poder. Não foi o que os constituintes pensaram e fizerem.

O próximo 7 de setembro poderá ser o último "canto do cisne" para as pretensões ditatórias de Bolsonaro.

Num pano rápido e a recordar uma antiga lenda italiana, espalhada mundo afora, sobre o "Canto del Cigno" (Canto do Cisne). Pela lenda, o cisne antes de morrer solto o último e mais belo de todos os seus cantos. Na política italiana, passou a ser usado como fim de linha. Bolsonaro dará, no próximo 7 de setembro, o seu "Canto do Cisne", o canto da sua morte política.