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Impeachment Bolsonaro: Carmem Lúcia e Pôncio Pilatos
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No reinado de Eduardo III os abusos de poder tornaram-se insuportáveis, quer aos súditos ingleses, quer aos representantes do povo junto à Câmara dos Comuns.
Não só os ministros eram corruptos, prepotentes e autoritários. Também a amante do rei, Alice Perrers. Ela comandava, diante de um rei errático, a corrupção com os ministros. Uma espécie de eminência parda.
Àquela época, século XIV, o rei era considerado ungido por Deus e não podia ser responsabilizado pelos seus atos. Só tinha contas a acertar com o Criador, jamais com os comuns mortais.
Parêntese. Sobre a irresponsabilidade dos reis, a Câmara dos Comuns só deu um jeito em 1649. Foi quando condenou à morte como traidor e executou Carlo I. Lógico, ele estrebuchou e ficou famosa, a merecer registro nos livros de história, a sua frase: " nenhum poder terreno pode me chamar de delinquente num processo, já que sou o vosso rei.". Fechado o parêntese, volto ao século XIV, ao reinado de Eduardo III.
Para dar um basta, afastar os ministros de Eduardo III e a amante sustentada pelos cofres onde entravam os impostos pagos pelos súditos, a Câmara dos Comuns criou o impeachment.
Mais prá frente, em 1571, os ingleses criaram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). E isso para investigar de modo a colher elementos de prova para sustentar o impeachment.
Na semana transata saiu do Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), - para entrar na fila por um lugar na pauta do Plenário físico-, uma ação proposta, em abril deste ano, pelo deputado federal Kim Kataguiri.
Num resumo, a meta da ação, - noves fora os absurdos de querer Kataguri um STF legislador e redator de regimento interno de outro poder-, é obter decisão definitiva a fim de o presidente da Câmara, Arthur Lira, "desengavetar" mais de uma centena de pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
Por evidente, o STF jamais irá estabelecer uma regra de regimento interno da Câmera. O próprio nome Regimento Interna indica disciplinação afeta exclusivamente ao Poder Legislativo federal. No particular, Kataguiri ainda não percebeu o significado e o alcance do princípio da separação dos poderes.
Agora, atenção. E é esse o ponto fulcral.
Está no poder-dever do STF não deixar tornar letra morta dispositivo constitucional sobre crime de responsabilidade do presidente da República. Ou seja, pode e deve o STF impedir o presidente da Câmara, por puro arbítrio, cancelar um remédio constitucional.
Inóguo argumentar representar Lira a maioria, o coletivo apelidado de Centrão, pró Bolsonaro. O princípio da maioria é sempre relativo, pois devem ser respeitados os direitos das minorias. Por exemplo: pedir o impeachment do presidente da República.
Em razão do ato arbitrário e ilegítimo, competirá ao STF verificar se o poder discricionário do presidente da Câmara está sendo desvirtuado. Desvirtuado para esconder atos arbitrários de Lira, ilegítimos e voltados a obstar o direito constitucional de petição por um impechment do presidente Bolsonaro.
A ministra Carmem Lúcia, no único voto dado sobre a questão, e quando a tramitação era pelo sistema virtual, entendeu tratar-se de questão 'interna corporis'. Questão da competência e atribuição da Câmara federal, sem possibilidade, portanto, de intervenção do Judiciário, um outro poder.
Com o devido respeito e sem olvidar ter o STF se transformado em corte política, injustificável o escapismo da ministra Carmem Lúcia. E escapismo de matriz política.
Num Brasil com Bolsonaro a tentar se apossar do monopólio hermenêutico constitucional, o STF, como corte Constitucional e competente para dar a última palavra interpretativa, precisa reagir e não lavar as mãos como Pilatos. Dada a existência de um golpista na presidência da República, não é momento para pilatices por parte dos ministros do STF.
Frise-se: não se pode, com emprego de contorcionismo jurídico, aniquilar remédio constitucional (impeachment), diante de atos arbitrários, protetivos, do presidente Arthur Lira.
Com a gaveta cheia, Lira concede a Bolsonaro um "bill de indenidade". Uma declaração de poder cometer impunimente crimes de responsabilidade.
Estamos, portanto, no campo do arbítrio. De um presidente da Câmara, — e a Câmara representa os cidadãos —, a se colocar acima dos seus pares, quando é apenas um representante. O presidente Arthur Lira também se coloca acima da Constituição diante de uma situação de flagrantes consumações de crimes de responsabilidade por parte de Bolsonaro.
Como Catão, o censor, o presidente Arthur Lira fala não ser momento de impechment, ou melhor de "desarranjos institucionais". Por crimes flagrantes, cabe aos deputados a análise que Arthur Lira reserva para si, arbitrariamente.
Por outro lado, o acolhimento do impeachment, depois de regular processamento, com os juízos de admissibilidade e de mérito, colocaria fim ao verdadeiro "desarranjo", para usar o termo de Lira. E "desarranjo" provocado pelo presidente Bolsonaro desde o início do seu mandato.
Mais ainda, até o caos econômico seria estancado pelo impeachment. Sem falar do risco de Bolsonaro repetir os seus desvarios negacionistas se chegar e se instalar a nova cepa da COVID no nosso país. Bolsonaro inauguraria uma nova série de crimes contra a humanidade.
Por último. Coube ao ministro Ricardo Lewandowski a iniciativa da alteração do virtual para o Plenário físico.
Como o STF deixou o técnico para abraçar o político, com Gilmar Mendes, sem corar, a concluir pela "boa-fé", do recuo de Bolsonaro, o escapismo do reconhecimento de questão " interna corporis", poderá prevalecer e Carmem Lucia inspirar os votos vencedores. Politicamente, poderemos ter o ministro Lewandowisk a poupar Bolsonaro, objeto do desejo político de Lula num segundo turno eleitoral.
Pano rápido. Quando a democracia não é protegida e guardada, convém recordar o alerta do saudoso constitucionalista italiano Giovanni Sartori: " comincia a morrire il giorno dopo". —-
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