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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Varão de Plutarco às avessas no ataque

Colunista do UOL

22/09/2021 19h06Atualizada em 22/09/2021 19h06

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Renan Calheiros - Reprodução/TV Cultura - Reprodução/TV Cultura
Renan Calheiros no Roda Viva
Imagem: Reprodução/TV Cultura

Plutarco é um dos exemplares nomes do mundo antigo. Nasceu em Cherones entre os anos de 46 e 48 dC. e morreu em Delfos no ano de 125 ou 127.

Como biógrafo, escreveu a célebre obra intitulada "Vidas Parelas", a estabelecer paralelos entre personagens de expressão da vida greco-romana: Demostenes e Cícero.

Plutarco viveu também em Roma e, pelo seu padrão ético-social, tornou-se cidadão romano. Foi filósofo, escritor e homem público.

Influenciado pela filosofia de Platão, produziu uma obra erudita sobre a ética e moral: "Moralia".

Com vida sem deslizes e nenhuma acusação de corrupção, Plutarco foi escolhido, velho e no fim da vida, para ser o sacerdote do famoso templo de Delfos.

Todo homem ético e virtuoso, pelo legado deixado por Plutarco para o mundo civilizado, passou a ser considerado um 'Varão de Plutarco'. A expressão é usada até hoje para definir vultos exemplares.

Na CPI da Covid, o senador Renan Calheiros quer passar a imagem de Varão de Plutarco, sem se importar com a biografia que construiu. Com base na sua vida pública, pode-se dizer, objetivamente, ser Renan Calheiros apenas um Varão de Plutarco às avessas. Atenção: ele está se comportando corretamente como relator da CPI, mas, pelo passado ostentado e para usar um dito popular, poucos, dele, comprariam um automóvel usado.

Neste espaço do UOL, em coluna de 18 de setembro passado, o relator da CPI recebeu elogio pelo anunciado projeto legislativo de estabelecer, na Lei do Impeachment (Lei 1079, de 1950), acréscimo a fim de se estabelecer prazo razoável para o presidente da Câmara dar andamento a pedidos de impeachment formulados contra o presidente da República.

De fato, e como está na coluna, o presidente Arthur Lira transformou o seu poder discricionário em abusivo poder arbitrário. Mantém na gaveta da presidência da Câmara cerca de 130 pedido de impeachment, de modo a tornar letra morta o remédio constitucional do impeachment, disponível a qualquer cidadão. Todo cidadão, pela Constituição, possui o direito de petição, de reclamação.

Ficou grafado na coluna de 18 de setembro, também, ter o senador Renan Calheiros, quando presidente do Senado, usado a gaveta para retardar pedidos de impeachment e de arquivar casos rumorosos, também arbitrariamente. Até hoje, nenhum pedido de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal chegou à apreciação de todos os senadores.

A respeito, basta a leitura do artigo 44 da Lei 1079 para ficar claro que o presidente do Senado não pode engavetar e nem decidir monocrática e definitivamente, como fazia o então presidente Calheiros.

Um dos casos famosos ocorreu em pedido elaborado contra o ministro Ricardo Lewandowski, — e aqui não se está a opinar sobre o mérito do pedido apresentado—. Calheiros, à época com investigações e escândalo público em curso contra a sua pessoa, não se deu por impedido e mandou, monocraticamente, arquivar. Deveria se dar por impedido, pois tinha foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal e sofria graves increpações.

Vale lembrar, ter ocorrido, no impeachment contra a presidente Dilma, a influência de Calheiros a convencer Lewandowski de não impor à presidente Dilma a perda dos direitos políticos, prevista na Constitutuição.

Como a Lei do Impeachment de 1950, anterior à Constituição, não era clara a repeito disso, resolveu-se deixar prá lá a Constituição: " Proferida sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto, destituído do cargo" (art. 34 da Lei de 1950).

Até um reprovado em exame de qualificação profissional da OAB sabe que existe hierarquia entre leis. E a Constituição é a lei maior. No caso, a Constituição no artigo 52, parágrafo único, é de clareza solar sobre a perda dos direitos políticos por 8 anos aos cassados por impeachment.

Com efeito. O senador, na justa e necessária proposta de reforma legislativa para evitar o arbítrio e evitar excluir remédio constitucional expresso, esqueceu o seu tempo de presidente do Senado. O artigo focou isso, ou seja, esquecer o seu passado.

Ao invés de se opor ao artigo, Renan passou ao ataque pessoal e mentiroso contra este colunista. Acusou este colunista de, quando Secretário Nacional para o fenômeno das drogas junto ao gabinete da Presidência da República, ganhar sem trabalhar. Ressaltou entender a razão deste colunista se opor a ele. O senador Renan destacou, outrossim, haver o ora colunista se aposentado e buscado uma "boquinha" como secretário nacional. Não revelou ter havido convite do presidente Fernando Henrique Cardoso. Convite quando este colunista estava, a convite da ONU e como observador, participando da Assembléia especial das Nações Unidas para o fenômeno das drogas.

Aliás, como especialista-convidado, o colunista abaixo assinado participou da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Transnacional. Enfim, um reconhecimento das Nações Unidas pelas atuações e pelo fato de conhecer bem mafiosos, traficantes e bandidos.

De pronto, é bom lembrar que o cargo de Secretario Nacional remunerava, pela função, igual a ministro de Estado. Portanto, nenhum recebimento contra a lei ocorreu.

Mais ainda. Este colunista aposentou-se, de acordo com a regra da Constituição, ou seja, por tempo de serviço. E ao deixar a Magistratura, — onde ocorreram promoções pelo critério de merecimento—, certidões fornecidas pelo Tribunal de Justiça dão conta de nunca haver atrasado decisões em processos, quer como juiz, quer como magistrado nos Tribunais estaduais (Alçada Criminal e Justiça) e quer no Tribunal Regional Eleitoral: o colunista, juiz por concurso público, atuou acumulando as funções de juiz eleitoral durante toda a carreira. E tem mais, ao deixar a Magistratura por aposentadoria por tempo de serviço foi aceito o honroso convite para assumir a Secretaria Nacional. Tal fato levou a deixar aulas remuneradas dadas, durante anos, na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie: nos anos de Mackenzie sempre o ora colunista foi paraninfo ou professor homenageado pelas turmas. Recebida, até, homenagem especial do Diretório Acadêmico, com documentação existente e na minha posse.

No período de Secretário Nacional, sempre este colunista permaneceu no gabinete de trabalho de segunda a sexta-feira. Retornava à residência em São Paulo nos finais de semana, com compromissos numerosos, como palestras, encontros com especialistas, etc.

Na curta passagem pela Secretaria Nacional foram vários os enfrentamentos. Por exemplo com o embaixador norte-americano que queria subordinar a politica antidrogas brasileira à norte-americana. A respeito, existem matéria de capa e reportagens da revista Carta Capital. A propósito, ao sair da Secretaria este colunista, hoje no UOL, foi convidado e assinou, durante dezessete anos, coluna semanal na Carta Capital.

Outro ponto foi o inconformismo da Polícia Federal com a criação da Secretaria Nacional, incluída uma ação sem sucesso no Supremo para declarar a inconstitucionalidade do ato do presidente da República de criar o referido órgão, que se deu em obediência à recomendação das Nações Unidas.

Entre tantos problemas, não faltou uma representação do titular da Secretaria Nacional (ora colunista) contra o Ministério da Justiça, na pessoa do seu titular, então ministro Renan Calheiros.

O ministro Renan colocou na gaveta um pedido de providência feito pela Secretaria Nacional, subscrito pelo próprio secretário, o ora colunista.

Uma delegação da Direção Antimáfia da Itália, com agendamento a partir de contato feito por Roma, foi recebida pelo secretário e na sede da Secretaria (Palácio do Planalto). Apresentava um pedido de cooperação internacional diante da Operação Malocchio (Mau Olhado): tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro no Brasil e envolvimento de membros da Cosa Nostra, a potente Máfia siciliana.

Em resumo, uma operação (Malocchio) de repressão internacional ao tráfico de cocaína colombiana, com lavagem de dinheiro por meio de jogos eletrônicos de azar. No Brasil, era a época dos bimbos e jogos eletrônicos, com expansão por todo território brasileiro, em progressão geométrica.

O mafioso italiano Lillo Lauricella (assassinado por ter se tornado colaborador de Justiça) realizava as intermediações e lavava o dinheiro para os carteis colombianos. Comprava equipamentos eletrônicos na Espanha e as máquinas eram montadas e utilizadas no Brasil, país sem empecilhos legais.

A representação feita pela Secretaria Nacional ficou na gaveta do ministro Renan.

Como revelou o Jornal do Brasil, inclusive com inúmeras matérias, editorial e charge do ministro Renan diante de uma máquina eletrônica, a gaveta de Renan fazia a alegria dos mafiosos e contraventores brasileiros do porte, por exemplo de um Ivo Noal ( controlava o jogo do bicho na cidade de São Paulo) e da cúpula do bicho do Rio de Janeiro, que, nos jogos eletrônicos de azar em bares, lanchonetes e pontos de jogatina do bicho, investiu pesadamente no novo negócio.

De se acrescentar, toda uma vida de luta antimáfias e cooperações com a magistratura italiana e o escritório da ONU, à época dirigido pelo sociólogo italiano Pino Arlacchi, levaram o saudoso presidente italiano Oscar Luigi Scalfari a outorgar a este colunista do UOL a comenda de Cavaliere da Repubblica da Itália.

Com os embates em curso na Secretaria, plantou-se na Revista Veja, coluna do jornalista Ancelmo Gois, uma nota a dizer que o secretário nacional criava muitos atritos e não trabalhava. Ou seja, chamado de "vagabundo" o ora colunista ingressou com ação judicial indenizatória contra a revista Veja e o jornalista Ancelmo Gois. Ambos foram definitivamente condenados por ofensa à honra. Renan repete a hisória de não trabalhar, sem se dar conta do acontecido. Na verdade, usa diversionismo para mudar o foco da sua melancólica presidência no Senado da República.

A medida provisória da jogatina eletrônica, diante do escândalo, foi suspensa pelo então presidente Fernando Henrique. Acabou revalidada no governo de Lula até o saudoso ministro Márcio Thomaz Bastos, - depois deste colunista lhe mostrar em jantar a que fii convidado-, explicar ao presidente Lula a gravidade e a medida foi suspensa.

Em síntese. Como nas Vidas Paralelas de Plutarco fica o convite para um cotejo de biografias, a do colunista e a de Renan Calheiros..