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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

STF acerta na condenação de Silveira e exagera penas para poder prender

Colunista do UOL

21/04/2022 08h34Atualizada em 21/04/2022 09h33

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O presidente Bolsonaro, antes de a sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) começar, avisou que não iria ficar calado se o deputado Daniel Silveira, da sua furiosa e antidemocrática tropa de choque, fosse condenado.

Ontem, Daniel Silveira foi por esmagadora maioria condenado por dois crimes em continuação delitiva. Logrou ser absolvido de terceiro crime contido na denúncia acusatória. Ou seja, absolvido da acusação de incitar as Forças Armadas contra o STF e o Congresso Nacional. Esse crime estava previsto na revogada Lei de Segurança Nacional: artigo 23, IV, agora artigo 286 do Código Penal

Sobre as condenações. Um dos crimes estava estabelecido no artigo 18 da Lei de Segurança Nacional. Lei de Segurança Nacional revogada, mas incorporada, segundo a maioria dos ministros, ao Código Penal, no artigo 359, letra L..

O outro crime, também gerador de condenação, estava previsto apenas no Código Penal, com o nome ("nomem iuris") de coação no curso do processo.

Melhor esmiuçando. Daniel Silveira foi condenado, por duas vezes, por tentar abolir o Estado Democrático de Direito, Isto, tentando impedir, ou restringir, o exercício dos poderes constitucionais. Tudo, mediante emprego de violência ou grave ameaça. Agiu no interesse próprio e de terceiros e com intenção criminosa intensa: dolo, na linguagem jurídica.

Daniel Silveira, por três vezes, usou violência, ou grave ameaça, contra a autoridade que presidia o inquérito apuratório criminal contra ele.

O réu-deputado Daniel Silveira pegou a pena, somados os dois crimes continuados, de 8 anos e 9 meses de reclusão em regime inicialmente fechado.

Isso quer dizer que ele terá de cumprir um sexto da pena em prisão fechada. Só depois poderá passar ao regime semi-aberto.

Por força da condenação, Daniel Silveira vai perder o mandato parlamentar de deputado. Perderá os direitos políticos, ou seja, direitos de votar e de ser votado.

Essa perda de direitos políticos durará, segundo decidido, até o cumprimento integral dessa pena de 8 anos e 9 meses.

Portanto, o seu sonho de se eleger senador ou se reeleger deputado federal poderá ficar adiado por um bom tempo.

Mas o jogo ainda não acabou, apesar da goleada. Para evitar o trânsito em julgado das condenações, e evitar o encerramento definitivo da discussão, o deputado Daniel Silveira deverá, em breve, inundar o Supremo com embargos de declaração. A meta será, frise-se, evitar o trânsito em julgado e manter a sua elegibilidade.

Daniel Silveira, com uso dos supracitados embargos, vai querer continuar presumidamente inocente. É que só assim poderá ficar elegível e disputar a próxima eleição. Com Moraes atento, sua chance é quase zero.

Como registrei no começo desta coluna, Bolsonaro não vai se calar. Irá usar a condenação do seu escudeiro Daniel Silveira. Em especial porque a condenação vai calçar como luva no seu falso e populista discurso de perseguido.

Mas, se Bolsonaro ouviu direito o julgamento, vai perceber que criticar, dar opinião, expressar-se vai poder realizar. Não vai poder é promover licenciosidades, indecências, excessos de modo a atentar contra a Constituição, o Estado de Direito e as leis criminais.

Em outras palavras, Bolsonaro não vai poder copiar e fazer igual ao que fez o fascistóide e violento Daniel Silveira.

Bolsonaro vai atacar a decisão do Supremo e, atenção, não terá vergonha de citar o voto absolutório dado, sem corar, pelo ministro Kássio Nunes Marques.

Politicamente, Bolsonaro precisa repaginar o seu discurso surrado. Surradíssimo, pois bate sempre nas mesmas teclas: Moraes, Barroso, Fachin, eleições fraudadas e urnas inconfiáveis.

Com as condenações de ontem, Bolsonaro terá de ter mais cautela. Até porque, o Aras, pela voz e teclado da vice-procuradora Lindora, não poupou o Daniel Silveira.

E tem mais. O ministro André Mendonça ficou com um pé na barca do Supremo. E o outro pé, no barco do Bolsonaro. Ou melhor, Mendonça absolveu pela coação no curso do processo e condenou pelos ataques ao Supremo e aos ministros, seus pares.

Para muitos operadores do direito, Mendonça tentou agradar Bolsonaro e os seus colegas de STF. Só esqueceu a lição evangélica de "não se poder servir a dois senhores".

A defesa de Daniel Silveira e o ministro Nunes Marques entenderam não ter ocorrido crime. Apenas caso de exercício legítimo do direito de opinião. Pura liberdade de expressão e sob o manto constitucional da imunidade parlamentar. A defensoria técnica e o ministro Nunes Marques concluíram pelo emprego, tão somente e só, de palavras impróprias, chulas, pessoalmente ofensivas.

A propósito, Norberto Bobbio, jus-filósofo, ensinou: liberdade é a não liberdade para se fazer o mal. Enquanto a liberdade de se afastar do caminho certo, constitucional e legal, é licenciosidade, é postura despótica, usurpadora, fascista.

Outro filósofo, o francês Rousseau deixou patente que liberdade significa obedecer e respeitar a lei e a Constituição, ambas feitas e impostas por nossos representantes.

Daniel Silveira fez apologia, incitou, com violências e ameaças, o regime democrático, o Estado de Direito e as instituições.

Num ponto não andou bem o Supremo. O ministro Moraes exagerou na dosagem das penas.

Na fixação da pena-base, calcou a mão. Levou em conta até o discurso de véspera feito pelo réu-deputado, na Câmara. Até o esperneio de véspera foi dosado, pesado.

Moraes, com exagero que os outros seguiram, colocou, na primeira fase da individualização de um critério de três fases, a pena-base bem acima do mínimo.

No crime de coação no curso do processo, por exemplo, a pena varia de 1 a 4 anos. Moraes partiu para o máximo, ou seja, 4 anos e acresceu mais seis meses.

Moraes, na dosagem das circunstâncias judiciais definidoras da pena-base, deixou de considerar que se tratava de réu primário.

Também esqueceu ter Daniel Silveira, em interrogatório judicial, dando uma de machão e de olho no eleitorado bolsonarista, confessado os fatos.

A confissão do réu, diz a lei, é circunstância atenuante da pena.

Ainda quanto à individualização das penas, nove ministros se desequilibraram. Passaram recibo de terem sentido as ofensas pessoais. Acertaram no mérito e condenaram bem, mas erraram nos cálculos das penas. Erraram na dose. Esqueceram da temperança.

Sobre isso, um ditado latino diz "summum ius, summa injuria". Quer isso dizer que o excesso de justiça, no caso de penas exageradas a Daniel Silveira, redunda em injustiça.

Forçou-se a mão na somatória das penas acima de 8 anos para se impor regime fechado. Também serviu como recado aos bolsonaristas de raiz, que são antidemocráticos e golpistas.

Por seu turno, o ministro André Mendonça, que só condenou pelo crime decorrente de ataques ao STF, aos seus ministros e ao Congresso Nacional, fixou a pena em 2 anos e 4 meses, mais multa. Não teve coragem de dizer que o cumprimento seria em regime aberto, como dia a lei.

O bolso do deputado-réu, e aí se acertou em face da sua situação econômica, será desfalcado, em face das penas de multas, em cerca de 192 mil reais.