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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Erros transformam Alexandre Moraes em cabo eleitoral de Daniel Silveira

Alexandre de Moraes e Daniel Silveira - Marcelo Chello/Estadão Conteúdo; Gabriela Bilo-20.abr.22/Folhapress
Alexandre de Moraes e Daniel Silveira Imagem: Marcelo Chello/Estadão Conteúdo; Gabriela Bilo-20.abr.22/Folhapress

Colunista do UOL

05/05/2022 13h44Atualizada em 05/05/2022 13h44

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O deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) foi réu confesso no processo criminal condenatório por atos antidemocráticos e coação no curso de procedimento investigatório.

Trocando em miúdos, admitiu a prática dos atos atribuídos contra ele pela parte acusadora, Ministério Público, nos autos do processo criminal e, também, fora deles, em diversas ocasiões. Suas justificativas: liberdade de expressão e imunidade parlamentar. Como se estivéssemos em um vale-tudo.

Como esperado, Silveira acabou condenado por expressiva maioria, com votos absolutório do ministro Nunes Marques e parcialmente divergente de André Mendonça.

Embora confesso, Daniel Silveira continua envolto em falsos panos de vítima de perseguições e injustiças, cometidas pelo ministro Alexandre de Moraes e pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Na verdade, o deputado Silveira cumpre —no plano golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL) e no próprio interesse da sua sobrevivência como parlamentar— o papel adrede preparado de desrespeitar as decisões judiciais e enfrentar ministros e a Corte Suprema.

Silveira virou celebridade bolsonarista. E se finge de mártir do sistema constitucional. Daí, prega a substituição do vigente estado de Direito por regramentos por meio de atos institucionais, de exceção. Deixa claro querer trocar a democracia pela ditadura, à frente o capitão Bolsonaro. Pelos espaços ocupados nas mídias e notoriedade conquistada, Silveira fatura politicamente muito mais do que em horários eleitorais gratuitos.

Silveira até pensa em dar upgrade parlamentar e concorrer, nas eleições próximas, a uma cadeira ao Senado, pelo estado do Rio de Janeiro.

Mas, a pergunta que não quer calar é a seguinte: como Daniel Silveira —um inexpressivo e truculento deputado do baixo clero da Câmara— conseguiu se tornar personagem de pico da vida nacional? A resposta é simples. Silveira, com Bolsonaro no apoio, aproveita-se dos inúmeros erros do ministro Moraes e do próprio STF.

Como dá para perceber, o STF e os seus ministros, com elevada frequência, mordem a isca deixada por Bolsonaro.

Em outras palavras, entram no jogo político preparado por Bolsonaro. Por exemplo, o processo criminal contra Silveira não precisava ter sido colocado em pauta antes das eleições. A rapidez foi vista, politicamente, como sede de vingança. Tecnicamente, existiam outras questões mais urgentes.

Até um jejuno em Direito —com senso de estabelecer juízo de proporcionalidade— percebeu o exagero de Moraes na individualização das penas e no regime prisional fechado imposto a Silveira. A maioria o acompanhou e pareceu vendetta fixar pena acima de oito anos para, como decorrência, impor regime fechado.

Esse exagero caiu do céu para Bolsonaro e, até agora, está sendo aproveitado politicamente.

Bolsonaro reagiu de pronto. Concedeu graça a Silveira, em decreto voltado à extinção da punição. E para Bolsonaro e Silveira pouco interessa se o decreto é inconstitucional. Isso, para ambos, é secundário.

Nesta semana, o STF não conheceu, por se tratar de reiteração de pedido sem fato novo, o habeas corpus impetrado em favor de Silveira.

Como Moraes foi apontado, no habeas corpus, como a autoridade coatora, a praticar ilegalidades e abusos, o referido ministro não pode participar do julgamento, por evidente.

Mas, tal fato causou, em especial nas redes sociais, indignações. Voltou-se à questão do inquérito judicial, outro erro crasso do plenário do STF.

Em um sistema acusatório como o nosso, juiz não apura crimes e Moraes, por portaria do ministro Dias Toffoli, foi ilegitimamente designado a presidir as apurações. Apesar de autor de obras jurídicas nos campos constitucional, penal e processual penal, Moraes, no particular, deixou o Direito de lado.

Quem presidiu apurações, funcionou como uma espécie de juiz-inquisidor do velho sistema do chamado juizado de instrução, não pode nunca julgar.

Tóffoli e Moraes empolgaram-se com o vetusto e injusto sistema da Inquisição da Igreja, com figuras reprováveis como Torquemada.

Silveira e Bolsonaro por tabela aproveitam-se das crises de Torquemada exteriorizadas por Moraes e que assombram os cultores do Direito e do Justo.

Voltando às redes sociais. Explorou-se o fato de Moraes dar-se por impedido numa semana, mas em anteriores haver julgado, condenado e calcado a mão quando da dosagem da pena a Silveira.

Tecnicamente, as situações são totalmente diversas, mas Moraes, como se diz no popular, "dá pano para a manga". Não deveria ter participado, já que atuou como uma espécie de juiz de instrução, no julgamento do supracitado deputado. Mais ainda, aparecia nas apurações como vítima de ataques à sua honra objetiva e subjetiva.

Mais ainda. Ao invés de cuidar da prisão em flagrante de Silveira por descumprimento das condições que ensejaram a substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares não detentivas, Moraes voltou a mirar, nesta semana, no bolso de Silveira.

Pelo descumprimento de determinações judiciais aceitas por Silveira, o ministro Moraes aplicou-lhe novas multas, determinou bloqueio de contas bancárias e investimentos. Também oficiou a Presidência da Câmara dos Deputados para desconto de 25% da remuneração mensal do deputado, até quitação do total de R$ 405 mil.

Decisões recentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) vêm admitindo desconto em remunerações e salários por dívidas de natureza não alimentar, como a do caso de Silveira.

Atiçados, os bolsonaristas enfureceram-se, sem razão técnica. Mas, isso não está a contar em tempo eleitoral e de polarizações.

Os bolsonaristas de raiz fizeram coro a Silveira. Isso no sentido de ele não dever nada, pois concedido-lhe o benefício da graça por Bolsonaro. Nem se deram conta ainda não ter sido, pelo STF, decretada a extinção da punibilidade. E, ainda, de estar subjudice a questão da constitucionalidade do decreto de Bolsonaro, por força do controle da legalidade e legitimidade pelo STF.

No momento, o STF, pelo presidente Luiz Fux e pelos ministros Toffoli e Gilmar Mendes, este decano da Corte, movimentam-se, segundo noticiado, a tentar colocar fim no conflito entre o chefe do Executivo e o órgão de cúpula do Judiciário.

Essas ações conciliatórias por parte do STF e ministros estão sendo vistas como capitulação. Medo de enfrentar Bolsonaro. Fora o fato de serem ações desarticuladas, pois Gilmar e Toffoli atuam por conta própria, a passar por cima da autoridade de Fux.

Para Bolsonaro, interessa alongar ao máximo o presente conflito institucional. E usa Silveira para manter a polarização eleitoral e a tentativa de cooptar as Forças Armadas.

Da parte de Silveira, aproveita-se, como fiel escudeiro de Bolsonaro, de haver colocado o ministro Moraes como seu cabo eleitoral. Nem cogita a inelegibilidade.