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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mendonça, contorcionismo pró Bolsonaro. STF vai manter liminar favor UOL

Ministro André Mendonça nega pedido de investigação contra Bolsonaro - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro André Mendonça nega pedido de investigação contra Bolsonaro Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Colunista do UOL

24/09/2022 17h00Atualizada em 24/09/2022 17h01

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É mundialmente conhecido o ditado que alerta à conduta de espertalhões em usar a mão alheia para obter vantagens contrárias à lei e à ética.

Na Itália, se fala do "furbo" (espertalhão) a " togliere la castagna dal fuoco com la zampa del gatto", ou seja, remover a castanha do braseiro com a pata do gato.

O senador Flávio Bolsonaro quis usar a mão da Justiça, como a pata do gato do supracitado ditado popular.

Para alcançar o seu intento, engendrou plano inusual, pleno de má-fé e de segundas intenções.

No jargão forense, Bolsonaro preparou uma chicana e se deu muito mal, quer jurídica, quer politicamente.

Como Jair Bolsonaro, apesar das tentativas e esforços diuturnos, não consegue se tornar ditador, o filho senador quis da Têmis, a deusa da Justiça, a edição de ato inconstitucional de censura. Trocando em miúdos e a título de exemplo, o Judiciário a substituir um ditador, tipo nicaraguense Daniel Ortega, — que cortou o sinal da CNN em espanhol.

Depois de semanas a tentar convencer incautos de ser normal pagar compras de imóveis com dinheiro vivo, Flávio Nantes Bolsonaro ajuizou uma queixa criminal.

A verdadeira intenção do queixoso Flávio, — e entra aí a "mão" do gato—, era impedir o uso dos escândalos familiares, informados em legítima e legal matéria do UOL, nas campanhas eleitorais dos concorrentes. Impedir a chegada de informações aos eleitores. Enfim, esconder o escândalo com a mão da Justiça.

Na queixa-crime, Flávio frisou haver sido caluniado em duas matérias jornalísticas do UOL.

Só para lembrar e está no Código Penal, caluniar alguém implica em imputar falsamente fato definido como crime. Não existe nada de falso nas duas matérias do UOL.

No tipo penal da calúnia, e para se condenar em devido processo legal, seria necessário prova de as duas matérias jornalísticas apresentadas pelo UOL conterem informações falsas. Ora, afirmações falsas não se existem. Existem, sim, escandalosas tramas da família Bolsonaro. As duas matérias estão apoiadas, estribadas, em documentos, relatos e evidências com lastro.

Com efeito. Ardilosamente, o senador postulou, em queixa crime distribuída a 4ª.Vara Criminal da Justiça do Distrito Federal, uma tutela acautelatória, a mitigar os danos. Postulou a retirada das matérias, quer do site do UOL, quer das redes sociais dos jornalistas subscritores dos textos.

O juiz da 4ª.Vara não viu os dois requisitos básicos para o fornecimento de cautelas de urgência. O primeiro requisito, a chamada "fumaça de um bom Direito" ( "fumus boni juris"), não existia.

Também não havia o denominado "periculum in mora", ou melhor, inexistia o perigo por se demorar na esperara do julgamento do alegado crime de calúnia, segundo requisito para o regular deferimento de uma medida antecipatória, cautelar.

Não escapou ao magistrado de primeira instância, também, vedar a Constituição, proibir por meio de cláusula pétrea, a censura de veículo jornalístico, informativo. Em outras palavras, a Constituição garante a liberdade de imprensa.

Caso não era, portanto, de irreparabilidade de dano pelo queixoso. Dano seria para os cidadãos, na hipótese de privados de informações sobre indicadas falcatruas.

Inconformado com o indeferimento liminar das medidadas cautelares solicitadas, o queixoso Flávio recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Daí, veio a liminar de censura, em decisão monocrática do desembargador Demétrio Cavalcanti.

Essa canhestra decisão foi, também em sede liminar e a pedido do UOL, cassada pelo ministro André Mendonça.

A propósito, um ministro filobolsonarista, que não tinha como ignorar a garantia constitucional.

Sua saída, foi, — sem se dar por suspeito (foi ministro e é amigo do presidente Bolsonaro), decidir , vergonhosamente, em outro e diverso caso, pela não investigação do presidente Bolsonaro e de Flávio, sobre compra de imóveis.

Com a decisão a favorecer Bolsonaro, Mendonça esquece o princípio democrático e republicano de não existirem pessoas acima de suspeitos. Quando elas, suspeitas, aparecem, precisam ser investigadas. E suspeitas contra o presidente, ex-esposas e os seus familiares, existem às pamparras.

Juridicamente, o queixoso Flávio deu um tiro que saiu pela culatra. apesar da paixão pelas armas de fogo. Pensou ser simples enganar a Justiça.

Politicamente, e bem explicaram os colunistas do UOL, o senador deu um tiro no pé, dele e do pai candidato à reeleição.

Como já destaquei em comentário no UolNews, numa democracia ( palavra formada por demos-povo- e cratos- poder), são os cidadão que comandam. E realizam isso por meio dos seus representantes: vivemos numa democracia representativa.

Os representantes eleitos recebem dos cidadãos uma procuração (mandato). E os cidadãos fiscalizam principalmente por uma imprensa livre. Flávio Bolsonaro quis, no interesse eleitoreiro, desmontar a lógica da Constituição, para encobrir escândalos familiares.

Convém ressaltar, pela importância: documentos de autos processuais sob sigilo, e anulados por vício de forma (são renováveis), podem ser apresentados em matérias jornalísticas. Não foi o jornalismo do UOL que violou o sigilo, mas quem fez chegar ao conhecimento dos jornalista.

Além da abundância de fatos e provas contidos nas duas matérias jornalísticas, é público e notório, — e por isso independe de prova à luz do Direito —, ser Flávio acusado de se beneficiar com crimes de peculatos ("rachadinhas") ocorridos no seu gabinete, quando deputado estadual.

E tem mais. Nos instrumentos de compra dos imóveis, alguns preços foram pactuados abaixo do valor de mercado. Os pagamentos, pelo que tudo indica, restaram realizados em papel moeda, sem origem.

Inexiste lastro patrimonial para as compras, consoante indícios veementes.
Pelo quadro, não é leviana a cogitação de ocultação patrimonial e lavagem de dinheiro pelo queixoso e os seus familiares, incluído, lógico, o pai presidente..

Conforme remansosa jurisprudência dos Tribunais, uma narrativa jornalística nunca pode ser considerada dolosa, com intenção de se ofender à honra, quando lastreada em documentos e relatos confirmatórios. A intenção ("animus"), no caso das matérias do Uol, foi o de narrar, informar os seus leitores.

Pano rápido. Com base em garantia pétrea da nossa Constituição, o queixoso Flávio tem zero de chance de a liminar que cassou a censura ser alterada pelo Supremo Tribunal Federal.