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Peixe fora d'água no STF, Aras se vestiu de democrata e escondeu Bolsonaro
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Quando Roma era considerada a "capital do mundo", havia uma cerimônia religiosa reconhecida importante e realizada no início de cada ano.
O ritual sacro desenvolvido nessa supracitada cerimônia possuía por meta a transmissão de agradecimentos, e os cidadãos —nas preces individuais— apresentavam uma promessa de boa intenção à divindade. Uma prestação de contas perante a divindade, seguida de voto de melhoria nos comportamentos futuros.
Com o passar do tempo —e os estados com funções executivas, legislativas e judiciais separadas e exercidas por poderes independentes e autônomos—, surgiram, nas cortes de Justiça, as cerimônias voltadas à instalação do "Ano Judiciário".
Os dicionários jurídicos italianos definem o Ano Judiciário como "período de tempo correspondente ao ano solar em face do qual vem estabelecido no calendário das atividades judiciais".
A propósito, no calendário de 2023 do nosso Supremo Tribunal Federal, todos esperam definições sobre a constitucionalidade de a mulher dispor do próprio corpo para poder optar pelo aborto.
Temos o marco regulatório do usufruto de terras indígenas, a valer ou não o estabelecido no julgamento do processo Raposa Terra do Sol. E existe, dentre tantas outras importantes, a questão constitucional atinente, no campo da liberdade individual, sobre a não criminalização da posse e uso de drogas leves para uso lúdico-recreativo.
Como na democracia, o poder é do povo e é ele quem comanda por meio dos seus representantes. O "Ano Judiciário" passou a significar uma prestação de contas, ou melhor, uma relato aos cidadãos (jurisdicionados) a respeito da produção dos tribunais no ano anterior e do acervo de questões pendentes de soluções. A lembrar ter o Judiciário uma função pacificadora ao solucionar litígios processuais.
Na abertura do "Ano Judiciário de 2023" do STF, o relatório de atividades ficou em segundo plano, aliás, como esperado.
Os focos —e não cabia outro e a presidente do STF, ministra Rosa Weber, bem compreendeu— foram os atos antidemocráticos, golpistas e o simbolismo dos danos ocorridos em patrimônio público. Conduta essa materializada pelo barbarismo, com a depredação da sede do STF.
Os subversivos imaginavam-se estar a promover um golpe Estado, a tutela das Forças Armadas, volta de Bolsonaro à Presidência e a interrupção violenta do mandato do presidente Lula, eleito democraticamente.
Num discurso firme, a presidente Rosa Weber, a todos, deixou claro que os golpistas seriam responsabilizados segundo as leis e observados o devido processo legal e a garantia da ampla defesa.
Rosa Weber falou da defesa da nossa Constituição, da democracia e do sistema republicano. Perante cerca de 300 convidados, chamou a sede do Pretório Excelso de "solo sagrado".
A manifestação de Rosa Weber foi impecável. Se fosse ela uma papisa, poderia ser dito de haver proferido uma alocução divina. No entanto, e pela sua formação de juíza de carreira, a conclusão é haver Rosa Weber feito um discurso equilibrado, sem pusilanimidades.
Não passou despercebida a manifestação de Augusto Aras, procurador-geral da República indicado, para dois mandatos, pelo presidente Bolsonaro.
Aras era um peixe fora d'água. Como usa barba, não se sabe se corou o rosto ao dizer "Democracia, eu te amo".
Na verdade, Aras, no curso do mandato do ex-presidente da República, foi o garantidor da impunidade de Bolsonaro. Mostrou-se um partidário, um filobolsonarista. Nada fez de eficiente diante da conduta irresponsável de Bolsonaro na pandemia da covid. Cuidou de pulverizar e "passar o pano" no bom trabalho da CPI da Covid.
Só Aras não viu, no curso do mandato de Bolsonaro, a continuada e descarada prática de atos antidemocráticos. Não foi ele um procurador-geral da República, mas do presidente, numa deturpação das suas funções.
Pior. Todos no Ministério Público sabem de duas coisas fundamentais.
Primeiro: de a instituição Ministério Público —e está claro na nossa Constituição de 88— ser fundamental, indispensável, à preservação do Estado de Direito e da Democracia.
Segundo: ao ingressar na carreira, todos sabem de cor e salteado da lição do saudoso jurista italiano Piero Calamandrei, que Aras esqueceu:
"Entre todas os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o do Ministério Público. Este, sustentáculo da acusação, deveria ser tão parcial como um advogado. Como guarda inflexível da lei, devia ser tão imparcial como um juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido do equilíbrio, se arrisca, momento a momento, a perder, por amor da sinceridade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor à polêmico, a objetividade sem paixão do magistrado".
Na abertura do Ano Judiciário de 2023, Augusto Aras foi, como acima frisado e numa adaptação ao título da peça mais conhecida de Pirandello, um personagem à procura de novo papel. Quis se colocar em panos de democrata e desvestir os de filobolsonarista
Num dia de justos desabafos e indignações, o presidente Lula destacou a atuação heroica do Judiciário, na defesa da democracia e da nossa Constituição. De fato, não fosse a atuação firme do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF, a democracia e o Estado de Direito teriam soçobrado.
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