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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O lado Berlusconi de Lula

Lula e Berlusconi em encontro em Roma em 2009 - Christophe Simon/AFP
Lula e Berlusconi em encontro em Roma em 2009 Imagem: Christophe Simon/AFP

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Quando a insônia dá sinal de noite longa, nada como, através da leitura, colher informações e estabelecer comparações. Muito mais útil e agradável do que contar carneirinhos.

Lula, 77 anos, e Berlusconi, 86 anos, têm algo em comum na política, além do populismo e do carisma.

Com a Itália dividida sobre o acerto dos sete dias de luto oficial impostos por decreto, depois das exéquias exuberantes no Duomo de Milão, fala cuidada do cardeal oficiante Mario Delpini e veículos de mídia a focar e entrevistar celebridades junto ao féretro, começaram as especulações sobre o "herdeiro político de Berlusconi".

Até o mundo do "gossip" italiano ficou agitado. E políticos de centro-direita, como o ex-primeiro-ministro e senador Matteo Renzi, quiseram, como se diz no Brasil, aparecer na fotografia, ou melhor, sentar-se na janelinha, sem tirar os olhos da futura fatura política.

A verdade é que Berlusconi não deixou anunciado e jamais cogitou um herdeiro político.

Quanto a Lula, ele pensa em concorrer a um quarto mandato presidencial.

Lula já ganhou a fama de lançar "postes" e de não preparar um delfim.

Quanto pior o "poste", mais se tem a sensação de Lula sentir-se insubstituível, o único.

Dilma Rousseff é o poste mais conhecido de Lula e o desastre era anunciado quando ela insistiu na sua reeleição.

Lula, quando chamado para salvar o governo Dilma como novo ministro da Casa Civil, foi impedido por canhestra e política (não técnica) decisão liminar do ministro Gilmar Mendes.

Juridicamente, o ministro é agente da autoridade do presidente da República, que detém poder discricionário de escolha. Gilmar nem corou. Mas, isso é passado e ambos já se reconciliaram.

Para o professor italiano Alessandro Orsina, mencionado pelo jornal Corriere della Sera na sua Rassegna Stampa de ontem, parece não haver mistério quando a questão da hereditariedade política versa sobre um líder carismático. Atenção, de novo: Lula é um líder carismático. Berlusconi, morto na segunda-feira 12, também o era.

O líder carismático, destaca Orsina, pensa ser sempre o melhor de todos. Não existe um substituto para ele e o mundo acaba quando ele morre.

Podemos concluir: no caso de político carismático e populista, jamais um delfim será ungido. Desse mato não sai coelho, se diria no meio rural.

Lula, como Berlusconi em vida, não gosta que ninguém lhe faça sombra na política.

Para Achille Occhetto, último secretário-geral do Partido Comunista Italiano e em entrevista ao jornal Il Fatto Quotidiano, Berlusconi "foi o primeiro populista italiano", numa referência lógica à Itália republicana. Lula, quando presidente do sindicato dos metalúrgicos, abraçou e populismo e nunca mais largou. Virou algo imanente, como tatuagem.

Pelo jeito e como aconteceu com Berlusconi, Lula não vai deixar herdeiro político. Quando isso acontece e a história mostra, nomes que circulavam e usufruíam do prestígio do falecido são mencionados como herdeiros. Alguns se autointitulam como tais, especialmente em períodos reservados às campanhas e horários eleitorais.

Um exemplo disso. Getúlio Vargas não deixou testamento político, verbal ou escrito, com indicação do herdeiro. Então, João Goulart e Leonel Brizola passaram a se considerar os seus herdeiros políticos.

Berlusconi deixou, do primeiro casamento, a filha Marina Elvira. Marina, como conhecida, sempre esteve mais interessada nos negócios da família: preside a financeira fundada pelo pai, Fininvest, e, também, o potente grupo editorial Mondadori, adquirido por Berlusconi.

O mesmo acontece com Pier Silvio, ele toca os negócios junto com a irmã Marina. Os três filhos do segundo casamento de Berlusconi com Veronica Lario estão longe da política e levam vida reservada.

A propósito do Milan, Berlusconi, para se tornar popular na política, transformou o Milan em sociedade anônima. Comprou as ações e virou acionista, proprietário. Anos depois e quando o lucro começou a minguar, vendeu o Milan aos chineses.

Nos últimos anos de vida, o homem do escândalo do Bunga-bunga, conviveu com Marta Fascina, de 33 anos de idade. Como sempre confundiu o público com o privado, Berlusconi elegeu Fascina deputada, na última eleição.

A jovem Fascina não tem liderança. Nem dentro do decadente Forza Itália, o partido fundado e liderado por Berlusconi.

A justificar o lado mulherengo, o falecido premier conheceu a enfermeira Licia Ronzulli, nas suas últimas internações no hospital San Raffaele,

Embora eleita por Berlusconi como deputada do Parlamento europeu, Ronzulli também não tem cacife para assumir a sucessão política do paciente cuidado, até ser dispensada por Fascina.

Por falar em mulheres, desponta, mais ainda é cedo para conclusões, a preparada socióloga Janja Lula da Silva. Por influenciar Lula e estar presente até em reuniões ministeriais, Janja desperta ciumeira no Partido dos Trabalhadores (PT), apesar de antiga e competente militância.

Janja, frise-se, não é uma Fascina e nem uma Ronzulli. E é mais competente no campo político do que Marina Berlusconi.

Mas, como se extrai do destacado pelo supracitado professor Orsina, um líder carismático, e podemos acrescentar populista, morre com a certeza de ser insubstituível e inexistir um delfim a merecer a hereditariedade.

A líder da direita italiana e hoje primeira-ministra Giorgia Melloni teria condições de costurar a fusão do Forza Itália com o seu partido de nome Fratelli 'IItalia. Mas, ela já esteve às turras com Berlusconi. Na coligação da direita, o Forza Itália teve inexpressiva votação.

Como destacou a imprensa italiana de linha progressista, como o jornal La Repubblica, Melloni tem em Antonio Tajani, ministro de relações exteriores e vice-presidente do partido Forza Italia, o seu interlocutor de confiança.

No mais, Melloni tem luz própria, sempre militou na ultradireita, ao contrário de Berlusconi. Não poderá nunca ser vista como herdeira política de Berlusconi.

Num pano rápido e em bom francês, Lula e Berlusconi, na política, podem ser definidos como do tipo "rempli de soi même", cheios de si mesmos. E essa espécie de gênero humano não prepara e nunca indica herdeiro político.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informava a coluna, a ex-namorada de Alexandre Pato é Barbara Berlusconi, e não Marina Elvira. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL