Polarização política parece estar enraizada, e STF mergulha nela
Vou dar preferência à mitológica deusa romana Giustizia. Como consequência, deixarei de lado a equivalente grega Têmis, inspiradora da imagem arquitetônica concretada diante do prédio do STF.
As razões da preferência à deusa romana da Justiça são simples de compreender. Ela nunca usou venda nos olhos. Sempre enxergou tudo.
A Giustizia, na mitologia, foi tida como imparcial e justa, a ponto de o imperador romano Tibério enxergar nela o rosto puro e isento da sua mãe Lívia.
A Têmis, não sei não! Está sempre vendada e, pela vizinhança, pode estar a sofrer influência de alguns ministros do STF.
Em razão da venda, a Têmis é incapaz de enxergar o cenário jurídico real imposto pelo STF. Ou seja, considera como ainda vigorante o cenário da tentativa frustrada de golpe de Estado capitaneado por Jair Bolsonaro e que culminou no 8 de janeiro.
A influenciável Têmis entende, como se estivesse afetada por paranoia, haver risco iminente, pelos discursos considerados de ódio, de nova investida antidemocrática.
No particular, ela referenda o discurso do ministro Moraes, como, por exemplo, o proferido na última semana na Universidade Mackenzie: "Os discursos de ódio solapam a democracia".
Pela falta de definição legal, discurso de ódio é o eleito por Moraes para agir em defesa da democracia, da Constituição, da Corte, dos ministros e familiares.
Por não enxergar, a Têmis sujeita-se a ser emprenhada pelos ouvidos.
Na verdade, a influenciada Têmis abandonou a democracia liberal. Está a aplaudir as censuras ao jornal Folha de S.Paulo e à revista Crusoé. E também a outras limitações à liberdade de imprensa e expressão.
Pior. A Têmis considera o STF o tutor dos cidadãos brasileiros e legitima Moraes para ser um tipo Catão-censor, controlador das informações que merecem ou não difusão.
Com efeito, a Têmis, sob o deslumbre do neoconstitucionalista Luis Roberto Barroso, perde a imparcialidade e desvia-se das funções constitucionais.
Tem mais. A Têmis pode ser vista como capaz de abraçar o hedonismo e partir em busca de "boquinhas" semelhantes àquelas desfrutadas pelo ministro Kassio Nunes Marques — em jatinho particular, depois do iate de luxo na Grécia, instalou-se em Roma para elaborar futuro encontro acadêmico. Para Nunes Marques, os convites são na base da ligação telefônica 0800, como se diz no popular para definir o gratuito.
Fora os dois períodos de férias dos ministros, contam com as facilidades da comunicação online, ou melhor, decidem em qualquer parte do planeta.
Pelo exposto, vou de Giustizia para analisar o 7 de Setembro deste 2024.
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Quero receberBolsonaro na Avenida Paulista
Bolsonaro, agora fora do poder, continua a desvirtuar a data comemorativa da Independência.
Apropria-se dessa data e das cores da bandeira para vestir os seus seguidores. O fascismo usava as "camicie nere" (camisas pretas); os bolsonaristas, as camisetas verde-amarelas.
Com caradurismo e sem corar as faces, Bolsonaro disse, em seu discurso na Paulista, que o ministro Alexandre de Moraes, o STF e o Congresso atuam "fora das quatro linhas" constitucionais.
Como se percebe e num passado recente, Bolsonaro foi quem atuou "fora das quatro linhas". Agora clama pelo cumprimento da Constituição.
Bolsonaro usou o 7 de Setembro na Paulista para efeito político-promocional. Colocou o tema impeachment de Alexandre de Moraes na frente e de araque.
O ex-presidente conhece bem os bastidores que revelam que a maioria dos senadores é contrária ao impeachment do ministro do STF.
Para não dar na vista, Bolsonaro destacou a anistia política num segundo plano reivindicatório.
Fingiu que serão contemplados apenas os condenados pelo STF. Condenados, frise-se, usados como massa de manobra pelo bolsonarismo, pelos crimes consumados no 8 de janeiro. O ex-presidente inventou, fazendo-se de vítima de perseguição, uma história fake para ter deixado o país no 30 de dezembro.
Na hipótese de a anistia ser aprovada, Bolsonaro também será favorecido: cairá a inelegibilidade e terá inquéritos arquivados pela extinção da punibilidade decorrente da anistia.
45 mil cidadãos, segundo cálculo de grupo de pesquisa da USP, assistiram e participaram de mais uma farsa bolsonarista.
O 7 de Setembro em Brasília
O presidente Lula usou igualmente o 7 de Setembro. Convidou o xerife Alexandre de Moraes para o desfile em Brasília e a ele se associou, ao vestir os panos de guerreiro democrático. Isso no momento em que é tripudiado pelo presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Lula se apresentou também, na imagem de solidário a Moraes, como defensor da soberania nacional, contra os ataques do empresário Elon Musk, um democrata de fancaria e de conveniência, como dá para notar sem dificuldade.
Numa promiscuidade que vem de longe, diversos ministros do STF deixaram o palanque comemorativo e, sem resguardo e nem preocupação de terem a imagem associada ao lado político lulista, refestelaram-se com churrasco e feijão tropeiro, segundo noticiou o Estadão.
O regabofe foi ofertado pela Presidência da República. E, conforme noticiaram os jornais, piadas foram feitas sobre o evento de Bolsonaro da Paulista.
Como se nota, o presidente Barroso, o decano Gilmar Mendes, o xerife Moraes, o ministro Dias Toffoli, este sempre desesperado em alcançar o perdão de Lula, e o ex-advogado Cristiano Zanin esqueceram, como acontece com o já citado Nunes Marques, de uma velha lição do saudoso constitucionalista italiano Piero Calamandrei. É relativo àquilo que denominou fundamento regente do Direito e da Justiça.
"Se o juiz não tem cuidado, a voz do Direito se esvanece. É longínqua como a voz inatingível dos sonhos" (Elogio dei giudici scritto da un avvocato, edição 1935 da editora Ponte alle Grazie).
Pano rápido: A polarização política parece estar enraizada, e o STF mergulha nela e perde a isenção. Perante os cidadãos brasileiros, perde a imparcialidade e colhe crescente desconfiança.
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