Wálter Maierovitch

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Opinião

Denúncia da PGR contra Bolsonaro conta com justa causa

A denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contém, juridicamente, "justa causa" para progredir e se transformar numa ação penal contra o ex-presidente Bolsonaro e outros acusados, que se tornarão réus, seguramente.

Vou focar em Bolsonaro. Tem até delação premiada do chefe de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que participou das tramas golpistas. E a delação de Mauro Cid não está isolada.

Não se pode esquecer que dois comandantes de Forças Armadas, Exército e Aeronáutica, testemunharam o golpismo. Os dois comandantes chegaram a receber e ler a minuta de golpe. Ambos, após chamados para adesões ao golpismo, recusaram ofender a Constituição e embarcar no golpismo em favor de Bolsonaro.

Mais ainda, o chefe do Exército foi veemente ao advertir Bolsonaro sobre prisão, caso continuasse em práticas antidemocráticas e violadoras da nossa Constituição republicana.

Existe um ponto fundamental a destacar. Denúncia não é loteria, uma peça feita na base do "será que vai pegar?". Bolsonaro sabe que, numa escala de 1 a 10, tem chance zero de ver a denúncia rejeitada. As três acusações serão recebidas.

Nem os dois ministros que Bolsonaro indicou para o Supremo Tribunal Federal (STF), e que prestaram compromisso de imparcialidade e respeito à Constituição, encontrarão elementos para rejeitar a peça. Atenção: é que na fase da denúncia, prestigia-se a acusação. Não existe o "in dubio pro reo", mas, se houver dúvida, aceita-se a peça acusatória em favor da sociedade.

Diante desse princípio, pode-se concluir, pelo teor da denúncia e o seu apoio nas provas, estar Bolsonaro numa "camisa de Sete Varas", ou seja, sem saída, nesta fase procedimental.

Só a delação de Mauro Cid e os depoimentos dos dois militares que comandavam o Exército e a Aeronáutica são mais do que suficientes para o recebimento da denúncia, sob o prisma técnico-jurídico.

No caso em tela, existem indícios com lastro de suficiência e prova contundente para se ofertar (procurador-geral) e receber (STF) a denúncia.

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Até um reprovado em exame de qualificação profissional da Ordem dos Advogados do Brasil seria capaz, sem vacilar, de perceber estar a denúncia bem apoiada em indícios e provas. Portanto, mereceria ser recebida e jamais rejeitada.

Todos os três crimes imputados a Bolsonaro, tentativa de abolição violenta ao estado democrático de Direito, golpe de estado e organização criminosa, têm apoio na prova colhida no inquérito. Prova que precisa ser confirmada no curso processo, observada a ampla defesa, com impugnação e produção de prova pela defesa.

A abolição (artigo 359, letra L, do Código Penal) implica em emprego de violência e grave ameaça, bem notado no 8 de janeiro. O golpe de Estado (artigo 359, letra M) requer a deposição, o tirar do poder, sempre com violência ou grave ameaça, um governo legitimamente constituído. No caso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia proclamado o resultado e até diplomou o eleito presidente Lula que, no 8 de janeiro, já estava no exercício da função de chefe de estado e de governo.

Não precisa ter esfera de cristal para concluir, com base na prova do ativismo golpista do presidente Bolsonaro durante todo o seu mandato presidencial, ser ele e, só ele, que assumiria o governo ilegítimo, que perdeu nas urnas.

A propósito, a denúncia de Gonet mostra, — usada uma imagem, uma gigantesca teia de aranha tecida, com episódios marcantes como reuniões com embaixadores para justificar o futuro golpe, as invencionices sobre urnas fraudadas, o teor dos discursos proferidos por ocasião das solenidades de 7 setembro, uma Abin paralela—, um golpismo concatenado por organização criminosa liderada por Bolsonaro, com 'molho de fake news' e difusão de ódio aos opositores democratas.

A denúncia será recebida, a instrução probatória iniciada, com interrogatório de Bolsonaro e amplo debate oral.

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Não se deve perder de vista uma regra básica do jogo processual, qual seja, o chamado "ônus da prova" (ônus no sentido de dever processual).

A prova da alegação, diz a lei processual, incumbirá a quem a fizer, no caso ao Ministério Público, representado pelo Procuradoria-Geral da República.

Ao acusado, caberá comprovar, caso alegue, os fatos extintivos, impeditivos e modificativos. Assim como cabe ao denunciado/réu demonstrar a inexistência de conduta intencional, dolosa, também lhe cabe provar álibis apresentados.

Num pano rápido e quanto à Justiça, terá de atuar com imparcialidade. Por isso, espera-se que o ministro instrutor, Alexandre de Moraes, não atue por impedimento e suspeição.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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