Wálter Maierovitch

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Opinião

Elon Musk encarna o novo modelo de 'senhor das guerras'

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chega alquebrado à reunião desta semana na Arábia Saudita.

Como se sabe, serão encontros de Zelensky com a delegação norte-americana encarregada, pelo presidente Donald Trump, de reabrir tratativas voltadas ao cessar-fogo com os russos.

Uma repetição do frustrado encontro no Salão Oval da Casa Branca, desta vez sem Trump: como regra diplomática, os interlocutores devem estar no mesmo nível representativo. Trump rebaixou Zelensky e enviou um representante em seu lugar.

Zelensky será, mais uma vez, coagido a assinar um acordo para a cessão de minerais das terras raras ucranianas, gás e petróleo, tudo a fim de compensar os EUA pelo que Trump considera "empréstimos" de guerra.

A propósito, Trump, em entrevista à Fox News no final de semana, afirmou que a Ucrânia pegou de Joe Biden um monte de dinheiro com facilidade. Ele comparou essa facilidade à de uma criança ao apanhar balas, chicletes e caramelos dos potes.

Na reunião em Riad, o presidente Zelensky sabe que entrou na briga um poderoso "senhor da guerra": Elon Musk. O bilionário chegou fazendo ameaças: "Starlink é a espinha dorsal do exército ucraniano. Toda a linha de frente deles entraria em colapso se eu a desligasse", disse ele na rede social X, para depois negar a ameaça.

Musk veste um moderno figurino de "senhor da guerra". Antes da telemática, o "senhor da guerra" era aquele que conseguia exercer controle absoluto sobre territórios e vias de acesso, graças aos seus recursos privados.

O sistema de comunicação da Starlink é via satélite e permite à Ucrânia manter conexão com redes, de qualquer lugar, inclusive nas zonas de guerra.

As forças ucranianas, pelo sistema privado da Starlink, acompanham, por exemplo, os drones lançados e neutralizam os dirigidos pelos russos. Monitoram bombardeios e as miras da artilharia. Cada soldado ucraniano pode se comunicar com sua família e amigos. Até as notícias dos abatidos em combate chegam rapidamente às famílias.

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Cruzado no queixo de Musk

Zelensky, nas últimas semanas e em decorrência do atrito ocorrido no encontro com Trump, na Casa Branca, suportou amargas derrotas e carrega uma carga pesada.

Primeiro, foi o corte da ajuda militar dos EUA. Logo depois, a paralisação do fornecimento de informações e imagens disponibilizadas pelos satélites espiões da CIA. No final de semana, Putin, que recebeu de bandeja a ajuda indireta de seu aliado Trump, intensificou os bombardeios para deixar os ucranianos sem eletricidade e gás.

Zelensky não esperava a chegada de um "senhor da guerra" em panos de controlador absoluto do ciberespaço.

Em defesa de Zelensky, saiu a campo o ministro das Relações Exteriores da Polônia. E os poloneses conhecem bem os russos e estão preocupados, como vizinhos, com a meta expansionista de Putin na Europa.

O ministro Radoslaw Sikorski, como se diz no futebol, chegou "batendo acima da medalhinha". Informou ao mundo que cabe à Polônia pagar pelos serviços fornecidos por Musk à Ucrânia.

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Sikorski revelou que a Polônia paga US$ 50 milhões ao ano, diretamente à empresa de Musk, para que a Ucrânia utilize o sistema Starlink de comunicação via satélite.

Mais ainda, o ministro polonês avisou que seu país poderá procurar outro prestador de serviço, caso Musk não tenha mais interesse no contrato.

Musk recuou e frisou que jamais faria isso, nem colocaria sua empresa a serviço de barganhas políticas.

O sul-africano, detentor das cidadanias norte-americana e canadense, retrucou Sikorski: "Fique quieto, homenzinho. Você paga uma pequena fração do custo. E não há substituto para o Starlink."

'Senhor da guerra' e a Otan

O novel "senhor da guerra" —um tipo inovador, cibernético—, no embalo da ameaça à Ucrânia, opinou sobre como os EUA deveriam agir em relação à Aliança Atlântica.

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Musk deixou a condição de assessor e virou conselheiro público de Trump. Sustentou, com a conhecida arrogância dos que recuam com o rabo entre as pernas quando contrariados, que os EUA deveriam sair da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Talvez não saiba que os Estados Unidos usaram e abusaram da aliança militar, que deu cobertura até para a retirada americana do Afeganistão. Certamente, não sabe que a Otan integra o sistema de alianças pós-Segunda Guerra, liderado pelos EUA.

Segundo Musk, "não faz sentido que a América pague pela defesa da Europa".

Um "senhor da guerra", como ensinam os operadores do direito internacional público, atua nos chamados "Estados falidos", como acontece, por exemplo, na Líbia.

Pelo direito internacional —o direito das gentes—, em um "Estado falido", a autoridade governativa central e nacional desmoronou e existe apenas formalmente.

Voltemos à Líbia. A região rica da Cirenaica, com sua capital, é controlada por multinacionais do petróleo e empresários. As regiões desérticas e a capital Trípoli são dominadas pelos "senhores da guerra".

Os americanos, evidentemente, não vivem em um "Estado falido", deteriorado, mas têm um "cyber senhor da guerra", um tipo intrometido que encena uma "mise en scène" para sustentar um presidente em busca do totalitarismo.

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O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o presidente Donald Trump
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o presidente Donald Trump Imagem: Brian Snyder - 26.fev.25/Reuters

No sábado passado, Trump, Musk e Marco Rubio almoçaram em Mar-a-Lago, na Flórida. Foi a reconciliação após o atrito entre o secretário de Estado e Musk. Para demonstrar união, Rubio afirmou que Musk tem razão ao dizer que, sem a Starlink, a Ucrânia seria derrotada em pouco tempo.

A chave de leitura, diante da manifestação de Rubio, é que o trio voltou às boas e que o secretário de Estado está sempre pronto a domar Zelensky.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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