Boicote a produtos italianos por lei que restringe cidadania é estupidez
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Os cerca de 40 milhões de brasileiros de origem italiana entusiasmados com a infeliz ideia do boicote aos produtos "Made in Italy" mostram não terem sido educados para a legalidade democrática.
Irritados com a lei italiana que restringe a cidadania, eles não sabem diferenciar o protesto civilizado, com respeito às liberdades públicas e aos caminhos institucionais traçados pelo estado de Direito, da represália de matriz fascista.
Aliás, imita-se Mussolini: impor a vontade, na marra. Por exemplo, quando os membros dos 'fasci di combattimento" saíam às ruas a fim de ministrar, goela abaixo, óleo de rícino aos não aderentes ao fascismo.
Ontem, 25 de abril, os italianos e ítalo-descendentes festejavam a "liberazione", ou melhor, os 80 anos da retirada das tropas alemãs nazistas do território italiano, com a recuperação da soberania. Por coincidência, no mesmo dia, tomava corpo nas redes sociais o boicote.
O 25 de abril do ano de 1945 foi a data do início da saída dos soldados alemães de Milão, Torino e da mussoliniana Repubblica di Salò, às margens do lago de Garda.
Estupidez
Não comprar produtos italianos em represália ao decreto limitativo à transmissão por sangue da cidadania italiana é pura 'stupidaggine' (estupidez).
O Senado e a Câmara estão a analisar o decreto que restringe a transmissão da cidadania italiana por 'jus sanguinis' (direito de sangue) até a segunda geração.
Caso mantido, a Corte Constitucional italiana, que já foi provocada, analisará o caso. Esse é caminho estabelecido num estado democrático e republicano, apoiado na igualdade de todos perante as leis.
O decreto da premiê Giorgia Meloni, que teve como idealizador o vice-premiê e ministro das relações exteriores Antonio Tajani, além de inconstitucional e discriminatório, causa humilhação.
Afinal, os brasileiros com ítalo-descendência serão penalizados pelo Decreto-lei do governo da primeira-ministra Giorgia Meloni. Os brasileiros 'oriundi' de terceira e mais gerações serão, na terra dos seus ancestrais, considerados estrangeiros.
O boicote atingirá a economia movimentada pela Itália. Em cheio atingirá os italianos residentes no país europeu, afetará a manutenção dos postos de trabalho e a crise econômica, caso aconteça, afetará primeiramente os mais pobres.
Os proponentes do boicote, e certamente com eles estão os criminosos que operam e lucram com a chamada "indústria do passaporte", devem abandonar essa má e antidemocrática ideia.
Um caminho democrático foi escolhido pelo Grupo Cidadania Viva, contrário ao decreto.
Com base na tradição italiana, farão um protesto hoje, sábado, na praça Cidade de Milão, no bairro paulistano do Ibirapuera. Um protesto pacífico, ordeiro e com base na garantia da liberdade de reunião.
Estupidez 2
Os não adeptos do princípio da igualdade, alicerce da República, desejam a transmissão ilimitada. Mas, com pagamento de imposto de renda elevado aos residentes no exterior.
Duas observações. Só os ricos poderiam pagar. E o fato gerador do tributo seria o de morar no exterior, sem ter renda na Itália.
Na verdade, pagar um imposto para ser cidadão italiano é absurdo.
Inconstitucionalidade
Antes da unificação da Itália em 1861, pelo chamado processo histórico do Ressurgimento (1815-1870), o status se dava pela transmissão por sangue.
Com a Constituição de 1948, ainda em vigor, consolidou-se a tradição. E a cidadania italiana acontece por ilimitada transmissão geracional, por sangue.
O constituinte não definiu a forma de aquisição de cidadania, mas abraçou a tradição e passou a usar o termo cidadania com base no 'jus sanguinis'.
Modificar regra constitucional por decreto-lei não é legítimo.
Também não é constitucional quando no Parlamento tramita um projeto de lei sobre cidadania ('disegno di legge'), atropelar o processo legislativo com um decreto-lei (equivalente a uma medida provisória no Brasil). E nele colocar um falso rótulo de regime de urgência.
Um dos pais da Constituição italiana, o jurista Piero Calamandrei, deve estar revirando-se na sepultura.
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