Wálter Maierovitch

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Opinião

Com anistia neutralizada, bolsonarismo parte para a picaretagem

Para esconder a manobra voltada a obter, pelo instituto da anistia, a extinção dos crimes descritos em denúncia já recebida por golpe de Estado, brecar a punição futura e certa, aniquilar com a inelegibilidade eleitoral e lograr os arquivamentos dos inquéritos apuratórios em andamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro voltou a usar, como massa de manobra, os 'bagrinhos' condenados pelo golpismo de 8 de Janeiro.

Como o STF (Supremo Tribunal Federal) individualizou de maneira exagerada e, portanto, injusta as penas dos vândalos, Bolsonaro passou a reivindicar a eles, com cara de compaixão, uma lei de anistia. No fundo, a anistia seria no interesse próprio.

Bolsonaro bem sabe que a jurisprudência do STF entende ser a anistia ampla, geral e irrestrita. Assim, Bolsonaro também dela se aproveitaria.

Mas, o Congresso, sob pressão bolsonarista e temor ao STF, procurou costurar um acordo para favorecer àqueles usados como massa de manobra golpista e pesadamente condenados, por crimes considerados autônomos, Bolsonaro fora. O supracitado acordo, pelo noticiado, foi celebrado entre o Legislativo, pelos presidentes da Câmara e Senado, e o Judiciário, pelo presidente Luís Roberto Barroso e o aval de Alexandre de Moraes, responsável pelas apurações dos crimes de golpe de estado, abolição violenta do estado de direito, associação criminosa, danos e dilapidações.

Para Bolsonaro o tiro saiu pela culatra, pois, como se diz no popular, foi "barrado do baile". Em outras palavras, não haverá anistia. No lugar, um acordo com novos tipos penais e penas reduzidas a crime influenciado por multidão.

Com novos tipos penais, a 'raia miúda' condenada poderá, em incidente do processo de execução de penas, obter penas e regime diverso da privação da liberdade em prisão fechada.

Desespero e picaretagem

No desespero ao perceber a anistia escapar pelos vãos dos dedos das mãos, Bolsonaro mirou na imunidade parlamentar buscada pelo deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), do chamado "núcleo crucial" do golpe de Estado.

Conhecido 'trapalhão' e sempre direcionando o olhar apenas ao próprio umbigo, interesse, Bolsonaro esqueceu da satírica observação do poeta romano Horácio, morto em novembro no ano 8 a.C.

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Segundo Horácio, em milenar lição, para tudo existe "modus in rebus". As interpretações às leis obedecem a certos e determinados limites. Não se pode exorbitar.

Com efeito, o deputado Alfredo Gaspar (União-Al) ultrapassou todos os limites interpretativos da Constituição. Isso ao apresentar parecer, sem corar as faces, à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados.

Ao interpretar a Constituição, o deputado alagoano Gaspar ingressou —de corpo, alma e partidarismo descarado— no campo da "picaretagem", como se diz no popular.

A picaretagem, no caso, consistiu em querer esticar a imunidade parlamentar que opinava pela concessão ao deputado Ramagem ao ex-presidente Bolsonaro. E, também, a todos os outros réus do chamado "grupo crucial" golpista-bolsonarista. Fora Ramagem, nenhum outro contemplado pelo efeito elástico, é parlamentar.

A Constituição prevê a inviolabilidade e a imunidade, como garantias a deputados e senadores.

Vale tudo

Para completar a picaretagem, o deputado Gaspar englobou crimes consumados antes da diplomação do deputado Ramagem.

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Ou melhor, Gaspar englobou na imunidade os crimes de golpe de Estado, de atentado violento ao estado de direito, de associação criminosa. Tais crimes foram perpetrados antes da diplomação de Ramagem e, portanto, não imunes.

Apenas os crimes de danos e de dilapidações —àqueles do 8 de Janeiro— consumaram-se quando Ramagem já estava diplomado deputado federal pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O deputado Gaspar fingiu ignorar que somente os deputados e senadores, e somente eles, gozam das mencionadas de imunidade. Cuida-se de prerrogativa exclusiva de deputados e senadores.

A imunidade, à luz da Constituição, consiste na suspensão do processo criminal, com prazo prescricional sem fluir, por crime a partir da diplomação. O parecer propõe a suspensão do processo criminal por golpe de estado e outros delitos, com tramitação no STF e referentemente a todos os réus.

A Constituição estabeleceu dever do STF em dar ciência ao Parlamento quando um deputado ou senador vira réu: quando teve denúncia recebida e tornou-se réu em processo de conhecimento criminal.

Ramagem e imunidade limitada

O deputado Ramagem virou réu no processo por golpe de Estado, com o recebimento da denúncia proposta pela Procuradoria-geral da República.

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O presidente da primeira turma do STF, ministro Cristiano Zanin, cumpriu a Constituição ao cientificar a Câmara.

A partir daí, a Constituição estabeleceu poder a qualquer partido político propor ao Legislativo o reconhecimento da imunidade parlamentar. E o partido de sigla PL propôs o reconhecimento da imunidade a Ramagem.

Essa pretensão pela imunidade, que pode gerar as suspensões do processo criminal e da prescrição com relação apenas a Ramagem, precisará ser apreciada pelos 513 deputados, no prazo improrrogável de 45 dias.

Quórum

Para vingar a imunidade parlamentar a Ramagem há necessidade de maioria absoluta, a significar 257 votos favoráveis.

Atenção, e volto a repetir, a imunidade será limitada e apenas possível de concessão ao deputado Ramagem, sem comunicação a não parlamentares. Bolsonaro e os golpistas não são parlamentares. Não têm, portanto, a prerrogativa de deputado ou senador.

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No caso Ramagem, como informou o ministro Zanin com total acerto, a imunidade, a suspensão do processo criminal, seria reduzida aos crimes de danos e dilapidações, pois consumados em 8 de janeiro, quando Ramagem já estava diplomado deputado.

Na verdade, não tivemos um parecer, mas uma picaretagem. E a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de maioria bolsonarista, poderá endossar a picaretagem.

Mas atenção: o parecer da Comissão de Constituição e Justiça não é vinculante. Não vincula os deputados que irão votar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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