Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O papa favorito explica a vitória do papa azarão, Leão 14

Certa vez, muitos desejavam o cardeal Carlo Maria Martini como papa. Ele era o favorito segundo voz corrente entre os purpurados [Colégio de Cardeais] e os vaticanistas.

Teólogo de ponta, escritor (tem um livro com Umberto Eco intitulado "Crença ou Descrença?", com título brasileiro "Em que creem os que não creem?"), humanista e progressista, Martini era, havia anos, arcebispo emérito de Milão e voz de enorme respeito entre crentes, agnósticos e ateus. Faleceu em 31 de agosto de 2012.

Num conclave onde era favorito, consta haver Martini pedido a palavra e declarado-se possuidor de doença terminal e de não reunir condições mínimas de saúde para ocupar o trono de São Pedro.

A Igreja passava por momento difícil àquela época e a autoridade moral de Martini muito ajudaria. Mas, ele não poderia mais contribuir.

Martini, deixou grafado, na sua imperdível e atualíssima obra "Conversazioni notturne em Jerusalem" (Diálogos Noturnos em Jerusalém), um desabafo que se imortalizou:

"Um tempo tive um sonho sobre a Igreja. Uma Igreja que procede da sua estrada na pobreza e na humildade. Uma Igreja que não depende dos poderes deste mundo... Uma Igreja que dá espaço às pessoas capazes de pensar de maneira mais aberta. Uma Igreja que funde coragem, principalmente àqueles que se sentem pequenos e pecadores. Sonhava uma Igreja jovem. Hoje, não tenho mais esses sonhos. Depois dos setenta e cinco anos decidi orar pela Igreja" (tradução livre).

No último conclave que resultou na eleição do purpurado americano Robert Francis Prevost, que adotou o nome de Leão 14, o grande favorito era o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano por doze anos e muito próximo ao então papa Bergoglio.

Depois de um período de escândalos, com a Santa Sé sob controle do polêmico secretário de estado Tarcísio Bertone, o papa Francisco, ao assumir, retomou o controle da Santa Sé (Vaticano) e elegeu Parolin, exemplo de seriedade e empenho à Igreja.

O papa Montini, muitos anos atrás, tinha sido secretário de estado e desenvolveu, como posteriormente realizou Parolin, intensa atividade diplomática. Montini restou eleito papa, com o nome de Paulo 6º.

Continua após a publicidade

Parolin, pela divisão em cinco grupos de bergoglianos, cada grupo com um seu candidato a papa, enfraqueceu-se. Era o nome mais forte, mas, nas composições, o favorito perdeu fôlego e perdeu.

Palavras do perdedor

Iniciado o rito previsto no direito canônico e com os purpurados votantes trancados (cun-clave) na capela Sistina, a mídia italiana começou a mostrar as imagens da cidade de Schiavon, em Vicenza.

Parolin nascera na referida Schiavon, onde a cidade parou e todos os seus concidadãos não tiravam os olhos das telas televisivas. Tristeza geral, no fim. E todos ficaram atrás de uma explicação, pois Parolin era franco favorito e ganhou um azarão, para usar uma linguagem emprestada do turfe e muita usada popularmente.

O jornal de Vicenza quis ouvir Paroli e este preferiu enviar uma carta aos seus concidadãos de Schiavon.

Nas primeira linhas, Parolin iniciou dizendo que entendia a torcida pela sua candidatura. Mas, explicou, a Igreja tem a sua lógica e "decide o Espírito Santo".

Continua após a publicidade

Numa outra passagem, frisou: "Aqueles que votam são os eleitores, mas sempre guiados pela vontade de Deus. Nós acreditamos firmemente que, através da ação dos Cardeais eleitores - também por meio da sua humanidade -, é o Espírito Santo quem escolhe o homem destinado a guiar a Igreja".

Na conclusão da carta, Parolin, que se mostrou no texto da carta firme na doutrina e na diplomacia, agradeceu "imensamente" ao papa Leão 14 "por haver aceito a chamada do Senhor por amor... e segui-lo para apascentar as suas ovelhas, como Jesus pediu a Pedro no episódio do Evangelho que lemos a semana passada".

Como se nota, o cardeal Parolin é um homem admirável e de uma coerência invejável. O jornalista e escritor espanhol Juan Arias, do El Pais e já vaticanista, nos mencionou o Concílio de Nicéia do ano de 325, onde, numa das versões, o Espírito Santo, sob a forma de pomba, ingressou pela janela aberta e escolheu os quatro evangelhos que conhecemos e os outros foram desprezados.

A chamada infalibilidade do papa recebeu correções, até por fatos injustificáveis até para os mais crentes. A crença é ser o papa infalível apenas nas questões de fé, onde é inspirado pelo Espírito Santo.

Para Parolin, a escolha do papa é sempre inspirada. Como crença não se discute, deve ser elogiada a coerência de vida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.