Wálter Maierovitch

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Opinião

Collor, Zambelli e Bolsonaro: atestado vira 'plano b' para evitar cadeia

Atestado como 'plano b' para evitar cadeia. De Collor a Zambelli e de Maluf a Bolsonaro

O habeas corpus liberatório teve a sua origem próxima em 1215.

Esse instituto jurídico representou com os aperfeiçoamentos e a regra republicana da igualdade, uma conquista civilizatória. Nasceu com a Magna Carta imposta ao rei João Sem-Terra (João 1º de Inglaterra) pelos barões e clérigos. Isso a fim de não serem presos, privados da liberdade de locomoção: escravizados e estrangeiros não gozavam desse direito.

A partir daí, nenhum homem livre pode ser preso ou detido sem condenação pelos seus pares, e nem custodiado em desconformidade com as leis.

Com efeito, o remédio do habeas corpus é usado para colocar fim à ilegalidade e o abuso, a cercear a natural liberdade de locomoção.

No Brasil, onde o habeas corpus é uma garantia constitucional, os políticos poderosos e os endinheirados potentes, passaram a buscar, dadas as limitações do habeas corpus, fórmulas para se livrarem da cadeia. Ou seja, buscaram outros remédios jurídico-constitucionais com efeitos a garantir, no lar doce lar, cumprimento de penas.

Maluf, Lalau $ Collor de Mello

Os corruptos Paulo Salim Maluf e Nicolau dos Santos Neto, já morto e em vida apelidado de juiz Lalau por ter ingressado na Magistratura trabalhista sem concurso público e desviados verbas públicas da construção do complexo do Fórum Trabalhista, deram-se bem.

Ambos lograram substituir o habeas corpus pelo atestado médico comprovador de gozarem de precário estado de saúde, sem condições de tratamento nas cadeias.

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A partir daí, e pela inexistência de hospital penitenciário a dar suporte aos doentes poderosos e potentes, criou-se remansosa e pacífica jurisprudência, edulcorada com ingredientes humanitários.

Entre os operadores do direito e os acadêmicos das faculdades, o precedente judiciário ganhou o nome de 'jurisprudência Maluf-Lalau'.

Pela precariedade do estado de saúde atestado e referente ao mega corrupto Maluf, pode-se concluir que não teria atingido os 93 anos de idade, não estivesse em prisão domiciliar, na sua mansão do aristocrático bairro paulista do Jardim Europa.

Maluf havia sido recolhido ao presídio da Papuda em 2017 e, dezembro de 2018, depois de inúmeras imagens em deslocações em cadeira de rodas, recebeu o benefício de domiciliar, em decisão do ministro Dias Tóffoli.

Lalau conseguiu, igualmente, alongar a vida, em tratamento domiciliar. Já não está entre nós, mas viveu o suficiente para emporcalhar a imagem da Justiça do Trabalho.

Recentemente, o corrupto e lavador de dinheiro Fernando Collor de Mello, condenado em regime prisional inicial fechado, foi contemplado, com fundamento em atestado médico, com prisão albergue domiciliar.

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Collor não passou mais de 24 horas em prisão fechada. De repente, os cidadãos comuns e a população carcerária de doentes pobres e sem prestígio, descobriram que Collor, fazia bastante tempo, estava com vários problemas de saúde.

Algo preexistente e não detectado quando Collor estava no exercício de função pública.

Atestado médico no bolso de Bolsonaro

No nosso Estado de Direito, estado de constituição e leis, existem vários institutos que, por motivos variados, levam à impunidade ou melhoram situações gravosas de criminosos poderosos ou potentes.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, busca desesperadamente a impunidade e o fim da inelegibilidade.

Na lista dos remédios jurídico-legais, Bolsonaro escolheu, para conquistar a extinção da punibilidade, a anistia. E a anistia logrou ser conquistada por assassinos e torturadores da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964.

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Seu "plano b", caso venha a ser condenado com pena de prisão fechada, será o "atestado médico".

No atestado médico de quem levou uma facada e quase perdeu a vida, com cirurgias posteriores realizadas por problemas decorrentes, uma enfermaria de penitenciária não seria recomendada, ou melhor, representaria risco. Em síntese, os cuidados humanitários a Bolsonaro, pela jurisprudência consolidada, serão realizados, certamente, no 'lar doce lar'.

Os que gozam de boa saúde e com prescrição não reconhecida, quer a prescrição da pretensão punitiva, quer a pretensão executória, podem conquistar um indulto. Caso, por exemplo, do corrupto Waldemar da Costa Netto: ele foi indultado pela então presidente Dilma Roussef. Idem, o disciplinado e resistente João Vaccari Neto e os perdoados Delúbio Soares e José Dirceu.

A hora e vez de Zambelli

Carla Zambelli foi recentemente condenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). As suas penas privativas de liberdade foram elevadas.

A decisão condenatória ainda não transitou em julgado e o seu partido representou à Presidência da Câmara Federal cobrando manifestação sobre o benefício da imunidade parlamentar.

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Pela imunidade reconhecida pela Câmara e confirmada pelo Poder Judiciário, o parlamentar, réu por crime consumado ou tentado no curso do mandato popular, tem o processo criminal suspenso junto com o curso do prazo prescricional.

Recentemente, depois de uma manobra com odor de picaretagem, a Câmara reconheceu plena imunidade ao deputado Ramagem e o STF a redimensionou corretamente. O esperneio continua, com o presidente da Câmara ajuizado um ação de descumprimento de preceito constitucional: violação à independência e harmonia entre os poderes.

A deputada federal Zambelli, corresponsável pela invasão do sistema informatizado do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e pelo crime de falsidade ideológica, recebeu a sanção de dez anos de prisão em sistema fechado.

Enquanto aguarda a imunidade parlamentar, e o ministro Alexandre de Moraes já decidiu não terem as consumações dos dois crimes ocorridos quando ela era deputada, Zambelli prepara o seu "plano b".

Já declarou e mostrou atestados médicos, com um elenco de distúrbios e disfunções. Ela mesma concluiu não poder viver numa cadeia.

Pano rápido

O Brasil é a terra dos bacharéis em direito. Explica-se, pois as suas duas primeiras faculdades instaladas no nosso país foram de direito.

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Os bacharéis aprendem, nos cursos de direito penal, ter a pena caráter aflitivo. Na sua obra Derecho Penal, publicada em Barcelona em 1935, Eugenio Cuello Calón já advertia ser a "pena o sofrimento imposto, pelo Estado, em execução de uma sentença ao culpado de infração criminal".

E Cuello Calón falou da importância do componente da 'prevenção geral' da pena: a função intimidativa que exerce na coletividade.

Às vezes pergunto aos meus botões de madrepérola e às minhas canetas tinteiros se Cuello Calón não deve estar querendo voltar ao mundo.

Voltar para completar a sua obra, a grafar exceções humanitárias às celebridades da vida política que cumprem penas em luxuosos domicílios, sem ter a pena nenhum conteúdo aflitivo.

Nunca topei, como magistrado concursado que passou por varas criminais, de execução de penas, de inquéritos, corregedoria de presídios, Tribunal de Alçada Criminal e Tribunal de Justiça, com petições de presos pobres, doentes, solicitando, com apoio em atestados médicos, prisão domiciliar para cumprir o restante da pena em barraco de favela.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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