Moraes erra na dose ao mandar cortar salário de Zambelli, que esperneia

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Um foragido da Justiça, em geral, e temos o caso de Carla Zambelli em especial, precisa de dinheiro e de apoiadores para ficar distante das grades dos presídios.
O próprio Eduardo Bolsonaro, que se autoexilou e licenciou-se sem remuneração da Câmara dos Deputados, precisou da ajuda financeira do pai Jair. Na hipótese, viver fora é uma forma de se livrar da persecução judicial e agitar para desmoralizar o Brasil e as suas autoridades.
Em síntese, fujona ou fujão, ambos precisam de recursos financeiros, e o ministro Alexandre de Moraes, como ex-secretário de Segurança Pública, sabe bem disso. Por isso, partiu para esvaziar a bolsa de Zambelli: remuneração, patrimônio, Pix etc.
A regra usada de se mirar na bolsa de Zambelli, uma foragida confessa da Justiça, é eficaz. Só que existe um momento legal para sua aplicação. A precipitação torna ilegítima a decisão.
Zambelli foi condenada, mas a decisão ainda não transitou em julgado. Portanto, a deputada ainda é, pela Constituição, presumidamente inocente.
Cautelarmente, por decisão judicial, não se pode suspender pagamento de verba alimentar —ou melhor, a remuneração parlamentar. Nas legislações de Estados de Direito democrático, fugir não é crime.
Moraes oficiou o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, para suspender a remuneração da deputada Zambelli.
A remuneração de qualquer trabalhador tem natureza alimentar, de subsistência. Portanto, Hugo Motta não cumpriu de pronto a decisão de Moraes e buscou os consultores. Também chegou a avisar não existir, na história da Câmara dos Deputados, um precedente —ou seja, um caso igual à ordem de Moraes.
Além da precipitação do ministro do STF quanto à remuneração de Zambelli, é muito claro, constitucionalmente, que cabe à Câmara, de acordo com o seu regimento, aplicar ao deputado que abandona as sessões e o próprio mandato as sanções financeiras e administrativas.
Prisão e esperneio
Zambelli, no seu desvario habitual, reclamou da prisão sem autorização da Câmara e por não ser caso de prisão em flagrante.
A deputada usar do esperneio para se fingir de vítima não surpreende ninguém. Ela mesma avisou que havia fugido e estava nos EUA.
A prisão preventiva, nos casos de fuga para evitar a aplicação da lei penal e da pena (dez anos, no caso Zambelli), é autorizada pela lei processual. E caberá à Câmara apreciar e ratificar. Zambelli, anteriormente, já havia invocado a imunidade parlamentar, mas Moraes decidiu que o fato criminoso típico não tinha correlação com o mandato popular e nem se consumara no curso dele.
Portanto, trata-se de mero esperneio de Zambelli para as redes sociais. Sua estratégia é fazer-se de vítima para os cidadãos, pois, no âmbito Judiciário, Zambelli não engana ninguém com suas estripulias sem base legal.
A questão Bolsonaro
Vazou pela imprensa que o delegado de polícia designado para interrogar o ex-presidente Bolsonaro sobre eventual auxílio e conexões subversivas de Eduardo, o filho número 03, também iria indagar sobre a fuga de Zambelli. Péssima ideia, a alimentar o discurso bolsonarista de perseguido.
Bolsonaro poderá silenciar, como lhe assegura a Constituição. Cabe à autoridade de polícia judiciária, em inquérito, apurar —e não ao suspeito se autoincriminar.
Importa lembrar que o ex-presidente está rompido com Zambelli, usada como bode expiatório para justificar a derrota eleitoral de Bolsonaro. Além, evidentemente, da lenga-lenga das urnas eletrônicas.
Zambelli busca um protetor
Talvez para despistar, Zambelli soltou o balão de ensaio de alcançar a impunidade fixando residência na Itália, com base na dupla cidadania.
Como colocado na coluna de ontem, as decisões administrativas e judiciais não sustentam essa aventura de Zambelli, pois sua cidadania prevalente é a brasileira, e não a italiana.
A reação na Itália foi péssima. Vários parlamentares italianos avisaram que a cidadania não pode ser usada como escudo para se alcançar a impunidade.
A doutrina constitucional italiana define a cidadania como sendo o vínculo jurídico que une a pessoa natural ao Estado-nação.
O status de cidadão italiano, como explicam os constitucionalistas peninsulares, impõe direitos e obrigações aos cidadãos.
Não existe direito de invocação de cidadania italiana para se livrar de sanção imposta em outro Estado soberano, no devido processo legal.
Zambelli, no momento, mais parece Ismália, do célebre poema de Alphonsus de Guimaraens —ou seja, a Ismália que, nos seus delírios e loucura, via duas luas: uma no céu e outra no mar.
Na verdade, Zambelli procura, invocando a falsa afirmação de ser perseguida pela Justiça e a condição de direitista radical, um asilo para evitar a prisão fechada.
Zambelli deve estar em busca de um protetor. Deve lembrar de Nadine Heredia, a ex-primeira-dama condenada com o marido Ollanta Humala pela Justiça peruana, com pena de 15 anos por corrupção, envolvendo a construtora brasileira Odebrecht. Nadine recebeu asilo no Brasil e Lula invocou questão humanitária.
A delação de Mutolo
O magistrado italiano Giovanni Falcone, dinamitado pela Cosa Nostra siciliana nos anos 90, foi, na questão relativa ao efetivo e eficaz contraste à criminalidade organizada de matriz mafiosa, o primeiro a desenvolver a tese do desfalque patrimonial.
Sua tese leva ao mafioso Gaspare Mutolo. O referido Mutolo tornou-se colaborador da Justiça de peso. Por anos, ele foi motorista do chefão sanguinário mafioso Totò Riina, que permaneceu foragido da Justiça por mais de 18 anos sem tirar os pés da Sicília.
Na sua delação premiada, Mutolo, apelidado por Riina de Asparino, disse: "Para um mafioso, é melhor permanecer preso com dinheiro do que em liberdade sem dinheiro." Com efeito, o dinheiro conta para qualquer tipo de delinquente, quer seja um Mutolo, quer uma Zambelli.
Bem antes de haver, na Itália, previsão legal a respeito do contrato de colaboração com a Justiça, a saudosa jornalista e escritora Camilla Cederna havia fotografado um muro no centro histórico de Palermo.
Nesse muro pintado a cal havia um lembrete, escrito com contrastante carvão e extraído do código de ética da Cosa Nostra: "Quem tem dinheiro e amizades pode mandar tomar no c* a Justiça" (Chi ha soldi e amicizia vaffanculo la Giustizia).
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