Interrogatório de Ramagem no STF lembrou cartas persas de Montesquieu

Ler resumo da notícia
O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), citado na denúncia criminal como integrante do "núcleo crucial" golpista, foi interrogado judicialmente pelo relator Alexandre de Moraes.
No curso do interrogatório, houve uma indagação feita pelo ministro Luiz Fux, integrante da Primeira Turma julgadora, três reperguntas pelo procurador Gonet e duas pela defesa técnica de Ramagem.
Os demais corréus, por seus advogados, não apresentaram indagações. Sinal evidente de não ter Ramagem comprometido nenhum outro acusado.
Como o interrogatório judicial é um meio de prova, à luz do direito processual penal constitucional, Ramagem podia, sim, sem ser contrariado, dizer o que lhe convinha. Por evidente, negou todas as imputações.
Arquivo pessoal
Indagado por Moraes sobre arquivos do seu computador apreendido e das notas contidas no seu celular, Ramagem deixou claro o seguinte: escrevia para ele mesmo, sem divulgar para ninguém. Nem ao destinatário Jair Bolsonaro, então presidente, enviava sugestões drásticas a serem tomadas.
As medidas sugeridas eram justificadas por Ramagem com base, por exemplo, em "arbitrariedades", "abusos" e "inconstitucionalidades" perpetrados por ministros do STF e pela Justiça Eleitoral.
Cartas persas
Na obra intitulada "Cartas Persas", publicada no século XVIII, o jus-filósofo Montesquieu criou um novo gênero literário.
Dois imaginários persas, em viagem de turismo à França, escreviam aos seus parentes distantes sobre o que os impressionava na então corte absolutista francesa. E, como se diz no popular, metiam a boca no rei, nas instituições, políticos, clérigos e aristocratas.
Ramagem, nos escritos com sugestões, metia a boca em todos e sugeria medidas de força por parte do Presidente, contra outro Poder e ministros.
No interrogatório, disse que eram escritos privados, para ele próprio, sem medidas golpistas ou subversivas. E que as autoridades competentes, a partir da Advocacia-Geral da União, deveriam agir, sempre na esfera das suas competências legais.
Como para Montesquieu, tudo era imaginário para o réu Ramagem.
Ramagem apenas elucubrava: nada para sair do seu computador.
As cartas persas foram publicadas. As de Ramagem, segundo frisou, não. Só que não soube explicar como umas poucas sugestões suas foram parar nos arquivos do general Augusto Heleno.
Enfim, Ramagem procurou ressaltar que os arquivos de sugestões eram bem anteriores ao 8 de Janeiro.
Ressaltou, ainda, ter se licenciado para fazer sua campanha eleitoral no Rio de Janeiro, deixando de ter contatos com o governo Bolsonaro.
O interessante são os textos de arquivo em que Ramagem parabeniza Bolsonaro pelo acolhimento de medidas que havia sugerido.
Atenção: Montesquieu não chegou a tanto, nas "Cartas Persas".
A respeito da sua passagem como diretor da Agência Brasileira de Inteligência, negou ações ilegais. Atribuiu ao desgoverno reinante na Abin, que encontrou na sua posse e depois colocou nos trilhos, as irregularidades e abusos.
Em resumo, como ensinam os doutrinadores, o interrogatório do réu em juízo é meio de defesa e não meio de comprovação da acusação, salvo na hipótese de confissão.
O réu Ramagem é delegado de polícia, com experiência em apurações afetas à polícia judiciária. Na sua carreira, realizou inúmeros interrogatórios policiais. Assim, não iria escorregar e, sem saída, usou do expediente das comunicações imaginárias. Um novo Montesquieu, do século 21.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.