Wálter Maierovitch

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Opinião

Trump mostra força, e diplomacia dos aiatolás erra cálculo

A diplomacia dos aiatolás errou no cálculo. Pensou que poderia representar o papel de uma teocracia durona. Começou, como se diz no popular, mordendo para assoprar mais adiante.

Em Genebra, o ministro de relações exteriores iraniano, Abbas Araghchi, deixou claro aos seus homólogos da França, Reino Unido, Alemanha e União Europeia que o Irã não abriria mão do seu programa nuclear. Mais ainda: o urânio continuaria a ser enriquecido, mas as negociações poderiam continuar, disse na sexta-feira. Mordeu e mostrou-se intransigente.

Ontem, um influente membro da burocracia do aiatolá Ali Khamenei foi ouvido pela agência Reuters. Menos diplomático, seguiu na mesma linha de intransigência de Abbas: "a renúncia ao enriquecimento do urânio é uma exigência que levará a um beco sem saída. O Irã não negociará sobre as suas defesas, incluído o seu programa de mísseis".

Isso coincidiu com as informações que os 007 das agências americanas de inteligência passaram a Trump sobre como seria o comportamento da diplomacia iraniana. Segundo eles, Abbas não teria autonomia para negociações e faria o papel de ventríloquo de Khamenei. Ao lado do chefe supremo, os aiatolás tentariam resistir com unhas e dentes, sem retroceder um milímetro no programa nuclear. Tudo a bater na tecla de que se trata de um programa com finalidade pacífica.

Putin fica em cima do muro, mas Trump não

Para complicar a pretensão dos aiatolás, o presidente russo, Vladimir Putin, ficou em cima do muro logo após o encontro em Genebra. Ele manifestou-se contra uma eventual intervenção americana, já que o Irã teria legitimidade para desenvolver programas nucleares com finalidade pacífica e civil. Foi esse o compromisso assumido internacionalmente pelo Irã em 2015.

O problema é que os EUA e Israel estavam certos de que o Irã estaria enriquecendo urânio e na fase final de elaboração de componentes atômicos, com finalidade bélica e militar.

A propósito, Putin mantém ótimo relacionamento com o premiê israelense Benjamin Netanyahu. Os aviões russos utilizados nos ataques a membros da organização terrorista denominada Estado Islâmico foram abastecidos em Israel. Netanyahu autorizou e abasteceu os aviões russos, sabendo que Putin defendia a ditadura síria de Bashar al-Assad, um inimigo de Israel, e que foi deposto no ano passado. Inimizade antiga, mesmo antes do golpe de Estado da minoria religiosa alauita que levou ao poder o sanguinário Hafez al-Assad.

Além disso, Putin também tinha certeza sobre o retumbante fracasso do governo do Irã em se expandir pelo Oriente Médio por meio de tentáculos como Hezbollah, Hamas e Houthis.

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Já Trump suspendeu o prazo de duas semanas que havia dado a si mesmo para decidir se entrava ou não na guerra. Escutando seu Conselho de Defesa, resolveu entrar no conflito. Mas não foi uma decisão precipitada: ele contava com muitas informações.

Khamenei agonizante

Khamenei, os pasdaran, ou guardas, da sua Guarda Revolucionária e o Exército mostram fragilidade. O Mossad, agência de espionagem do estado de Israel, altamente especializada na infiltração dos seus agentes secretos, assassinou chefes dessas forças - em julho do ano passado, a organização israelense matou o chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, na ocasião da posse do novo presidente iraniano.

A diplomacia iraniana esqueceu-se de tratar Trump como uma pessoa imprevisível. Esqueceu também que o prazo de duas semanas foi dado para ele mesmo, e não para o Irã ou Israel, estados em conflito.

Paz em aberto

Com ataques pontuais e dados como exitosos pela Casa Branca, em especial a destruição da usina de enriquecimento de urânio de Fordow, a principal e mais protegida, Trump abriu-se para uma discussão de paz com o agonizante aiatolá Khameni.

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Khamenei, que já se sentia fraco, enviou seu ministro Abbas para a aventura diplomática em Genebra e está preparando o seu sucessor, em uma tentativa de manter o estado teocrático. Segundo o jornal New York Times, Khameni tinha nomeado três religiosos para disputar a sua sucessão, caso fosse assassinado.

Como se estivesse a preparar o seu testamento político, Khamenei deixou determinado a convocação da Assembleia dos Especialistas iranianos, órgão responsável pela nomeação do líder supremo, para a escolha entre os três religiosos indicados.

Os especialistas em geopolítica e geoestratégica, bem como os operadores do direito internacional, projetam, depois do ataque arrasador americano, um recuo iraniano em busca de paz. Seria uma capitulação, mas com a manutenção da teocracia.

Usinas danificadas

Até o ataque de hoje pelos EUA, muito se escreveu sobre a possibilidade de o Irã reconstruir as suas usinas danificadas.

Para os especialistas, Israel buscava apenas atrasar a meta iraniana de conseguir, em breve tempo, apetrechos nucleares bélicos e a almejada bomba atômica.

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A eliminação dos principais cientistas contribuiria para esse atraso. No sábado, Israel assassinou o cientista nuclear Isar Tabatabaei e a esposa em sua residência em Teerã. Segundo a agência iraniana Mehr, pertencente à governamental Organização Islâmica para o Desenvolvimento (IIDO), o cientista era professor da Sharif University e trabalhava no desenvolvimento do programa atômico do Irã. Foi o 15º cientista da área nuclear assassinado, com o dedo do Mossad.

Como se pode notar, Khamenei só tinha más notícias e se mostrava fraco perante os seus liderados religiosos. A imagem de um foragido num bunker para não morrer.

Com a ação destruidora promovida pelos EUA, abre-se um novo capitulo diplomático e o Irã, num novo compromisso, terá de ficar aberto para inspeções e fiscalizações. Tudo em prazos curtos, diferentemente do estabelecido, e nunca executado, no anterior acordo nuclear de 2015, conhecido por Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA).

Trump acabou de chancelar a doutrina da "defesa preventiva", baseada na figura jurídica do "estado de necessidade", Tal doutrina já foi utilizada no 11 de setembro.
Israel, no dia 13, também atacou com apoio nessa mesma doutrina. Essa doutrina, por atropelar a soberania das nações, ainda conta com interpretação nebulosa no direito internacional público.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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