Bombardeio dos EUA no Irã expõe fragilidade do direito internacional

Ler resumo da notícia
Levantada a poeira, alguns fatos decorrentes dos ataques americanos ao Irã tornaram-se induvidosos. Por exemplo, o direito internacional público —também chamado de direito das gentes— é interpretado conforme as conveniências e o poderio bélico do atacante: a Rússia invadiu a Ucrânia e ignora a Constituição das Nações Unidas, garantidora da soberania dos Estados nacionais. E, ainda no tocante à soberania, os EUA violaram o espaço aéreo iraniano e bombardearam as usinas de Fordow, Natanz e Isfahan.
Questões fundamentais ficam ao sabor de interpretações e ideologias, pois o referido direito das gentes, assim como os tribunais internacionais que o aplicam, carece de força para garantir o cumprimento de suas decisões. Mais ainda, politicamente, há o poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Atenção para duas perguntas:
- É legítimo impedir Teerã de possuir um arsenal nuclear por tratar-se de uma ditadura teocrática, misógina, violadora de direitos humanos, expansionista, financiadora do terrorismo internacional e desejosa de riscar o Estado de Israel do mapa?
- É legítimo matar civis inocentes em Gaza, deslocar populações, cometer crimes de guerra e contra a humanidade, promover o apartheid na Cisjordânia e não reconhecer o Estado palestino?
O que se apresenta como inquestionável —embora os dois tribunais internacionais existentes não tenham se manifestado— é que ditadores e autocratas, de direita ou de esquerda, preferem resolver questões de política externa com base na força. Como alertam os operadores do direito internacional, o caminho é a diplomacia e o entendimento, e não o recurso bélico.
Constituição
O presidente Donald Trump, sem consultar os países aliados e apenas comunicando aos presidentes da Câmara e do Senado de seu país, em período de recesso, executou ataques dados como preventivos e em estado de necessidade contra as usinas nucleares iranianas de Fordow, Natanz e Isfahan.
Aviões B-2 lançaram, no sábado, catorze bombas do modelo GBU-57, perfurantes e de 15 toneladas cada. 12 delas atingiram a central de Fordow e duas, a usina de Natanz. Coube ao submarino USS Georgia (SSGN-729) disparar 13 mísseis certeiros nas instalações de Isfahan.
Trump, sempre assessorado juridicamente —até pelas suas transgressões pessoais e condenações criminais—, interpretou, a seu bel-prazer, a norma constitucional para justificar os ataques. Assim, não declarou guerra, embora esta seja uma exigência constitucional para o uso da violência armada. Trump insiste que não está em guerra com o Irã e que os ataques foram pontuais, diante de risco iminente, apoiando-se, para isso, em informes da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), vinculada à ONU.
Também não solicitou autorização ao Congresso, limitando-se a comunicar a ação como defesa preventiva. Em seu perfil de autocrata, isso lhe bastava.
A outra exigência constitucional —a de emergência nacional por ataque direto aos EUA, como no 11 de Setembro— não se aplicava ao caso.
Internamente, Trump já enfrenta oposição e fala-se em "impeachment". Contudo, com maioria no Congresso, esse processo, de natureza jurídica e remédio político, dificilmente ultrapassará a fase de admissibilidade.
Muito se comenta sobre as consequências eleitorais. Trump apresentava-se como homem da paz e prometera, em campanha, encerrar a guerra da Ucrânia em 24 horas após sua posse.
Após o ataque ao Irã, discursou como beligerante: "O Irã, valentão do Oriente Médio, deve buscar a paz. Caso não o faça, os ataques futuros serão muito mais graves e muito mais fáceis".
Externamente, os europeus amargam o desprezo de Trump. Para ele, a Europa não conta. Tentaram, na semana passada, uma cúpula em Genebra com o ministro iraniano Abbas Araqchi —sem sucesso, dada a ofensiva americana.
No momento, Araqchi procura o aliado Putin, que deve ficar apenas na retórica. Com a guerra na Ucrânia, o presidente russo não está em condições de formar uma aliança bélica.
A China, sempre cautelosa, não se envolverá em conflito mundial, como já deixou claro seu presidente Xi Jinping.
Vendeta e terrorismo
O Irã prometeu vingança e reconheceu danos em suas usinas nucleares. Esses danos foram avaliados como limitados e sem registro de contaminações radioativas.
Os assessores de Ali Khamenei, líder supremo da teocracia iraniana, relataram um grande número de feridos. Ressaltaram ainda que houve tempo para transferir boa parte do urânio enriquecido, graças a informações obtidas antecipadamente pelos serviços de inteligência iranianos.
Nada há de concreto sobre como será o revide. Os representantes da chamada República Islâmica afirmaram que considerarão alvos civis e militares. Tal afirmação gerou múltiplas especulações no Ocidente.
No campo do tráfego marítimo, Khamenei pode aceitar a proposta do parlamento de bloquear o Estreito de Ormuz.
Mas como abastecer a China, seu principal comprador de petróleo?
Pelo estreito de Ormuz passam 20% do petróleo consumido globalmente e 30% do gás natural exportado pelo Catar, segundo agências internacionais.
A propósito, armadores gregos já estudam rotas alternativas. E alerta-se para o risco de o Irã, por meio dos houthis — grupo terrorista que financia e comanda —, criar obstáculos à navegação no Golfo de Áden.
Os EUA mantêm quatro bases militares no Oriente Médio: na Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Catar. Estima-se em 40 mil o número de soldados americanos na região.
Embora os mísseis iranianos não tenham alcance para atingir os EUA, o mesmo não se pode dizer das bases americanas, bem mais próximas.
Agências de inteligência e especialistas em geoestratégia militar projetam que o Irã poderá recorrer ao terrorismo, ativando suas células dormentes. E, como disparou mísseis que caíram na região de fronteira entre Israel e Líbano, há quem veja nisso uma manobra para abrir caminho ao avanço do Hezbollah sobre território israelense — sem receio dos capacetes azuis da Unifil (ONU), que se afastaram da linha de fronteira após os ataques.
Outra estratégia mencionada envolve a Unidade de Mobilização Popular do Iraque (UMP), onde atuam fanáticos xiitas armados pelo Irã, sempre prontos a atacar.
Capitão do time
Todos sabem que Trump e o premiê israelense Benjamin Netanyahu jogam juntos. Trata-se de um time entrosado —como o próprio Trump já se vangloriou.
Após os ataques, Netanyahu agradeceu a Trump e declarou que o mundo inteiro deveria fazer o mesmo. Para analistas de geopolítica, essa manifestação reconhece Trump como "dono da bola" e "capitão do time": em outras palavras, o que manda.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.