Topo

Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O lugar das famílias no planejamento urbano

Colunista do UOL

11/11/2021 23h50

Há muitas maneiras de verificar a partilha dos benefícios (e dos ônus) da urbanização. A maioria dos indicadores, contudo, se concentra em apurar como o território e o ambiente construído se relacionam com os indivíduos, deixando de lado sua dimensão coletiva.

Longevidade, renda e escolaridade dizem muito sobre sujeitos, mas pouco sobre suas relações. Por isso, analisar a qualidade das interações entre as pessoas e seus agrupamentos é fundamental para compreender outros desafios e potenciais das cidades. E uma das formas de fazê-lo é incorporar a perspectiva das famílias no planejamento urbano.

A ideia de família está associada, entre outros, a uma instituição social que está na base do processo de socialização. Relações familiares bem-sucedidas são importantes no desenvolvimento de habilidades relacionais positivas, importantes para a vida comunitária.

Este, no entanto, não é um debate fácil. Para plateias progressistas de elite, falar sobre famílias costuma gerar certo desconforto, porque remete a um modelo que, organizado de forma patriarcal, pode servir para esconder relações abusivas, violentas e autoritárias.

Trata-se de uma visão preconceituosa e equivocada. Seja porque as lutas sociais tornaram visíveis outros modelos de família - monoparentais, compostas por casais homoafetivos etc. - seja porque, a depender do estrato social, a unidade da família representa forte elemento de proteção, inclusive frente às vulnerabilidades do território.

É o que revela a entrevista do antropólogo Juliano Spyer, publicada pela Folha de S. Paulo em 30 de outubro de 2021. Ao abordar a ideia de família no cristianismo evangélico, ele destaca seu papel na definição de normas de hierarquia e disciplina em espaços onde isso é fundamental para sobreviver e prosperar.

Reconhecer que a cidade deve ser planejada para as famílias traz inúmeras consequências práticas.

Importa, por exemplo, em pensar territórios educativos que, a partir dos equipamentos escolares, projetem calçadas adequadas para crianças, com trajetos e sinalização lúdicos e traffic calming. E que utilizem a estrutura das escolas no contraturno para dar formação a pais com baixa escolaridade.

Nos programas habitacionais, é preciso modelar políticas com foco em casais jovens que estão pensando em ter filhos. Ou para receber pais separados com seus filhos que estejam passando por dificuldades financeiras. Ou ainda famílias de idosos independentes.

É preciso, ainda, prover locais com comércio noturno, tais como shoppings centers, de creches em horário estendido para mães trabalhadoras. E ampliar a cobertura de políticas de assistência com foco nas famílias.

Uma iniciativa importante neste tema é o projeto Cidades Inclusivas para Famílias Sustentáveis, cuja concepção foi apoiada pela International Federation for Family Development, pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e pela Região do Vêneto (Itália). O projeto, baseado no Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11, estimula cidades pelo mundo a adotar políticas focadas nas famílias a partir de 11 pontos da Declaração de Veneza: moradia, novas tecnologias, educação, saúde, segurança, sustentabilidade, mobilidade urbana, turismo, acessibilidade e famílias vulneráveis. No Brasil, as cidades de São Paulo e Mogi das Cruzes, e o estado do Paraná, participam do projeto.

No momento em que o Brasil experimenta mudanças profundas na sua curva demográfica, efeito da diminuição da taxa de natalidade - situação que traz riscos ao futuro da previdência social e do mundo do trabalho - a cidade não pode ser um fator a mais para prejudicar as famílias. Deve, ao contrário, contribuir para o seu fortalecimento.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com