Topo

Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem paga as contas da cidade?

IPTU é fundamental para o financiamento das políticas urbanas - Getty Images/iStockphoto
IPTU é fundamental para o financiamento das políticas urbanas Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

18/11/2021 21h17

Se tornar adulto, para quem não nasceu em berço de ouro, é o resultado de um processo que os jovens anseiam por finalizar logo, mas que, quando alcançado, se mostra bem pouco glamuroso. Ganha-se mais autonomia e liberdade, mas a contrapartida chega na forma de boletos e impostos, antes custeados pelos pais.

Trata-se de um movimento necessário para a maturidade. Quem paga as próprias contas passa a reconhecer a importância do trabalho. Sob a ótica da cidadania, por sua vez, pagar impostos significa internalizar o custo do Estado de bem-estar social e, de maneira simultânea, habilitar-se ao exercício do controle social das políticas públicas.

O debate público, contudo, obedece a uma racionalidade contraditória. Para o senso comum, o cidadão paga muitos impostos e não recebe em troca serviços públicos de boa qualidade. Não é um raciocínio errado. O equívoco está na visão que, diante desse cenário, o correto é pagar menos impostos - ou sonegá-los.

Não existe almoço grátis. Equipamentos como creches, escolas, hospitais, parques, teatros, museus e estações de metrô, têm implantação e manutenção caras. Prefeitos e gestores públicos não dispõem de recursos infinitos para investimento. Por vezes é necessário aumentar a arrecadação fiscal.

O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um ótimo exemplo de instrumento de arrecadação cuja análise quase sempre é interditada no debate público - por vezes, até judicialmente, como visto na cidade de São Paulo em 2013.

De acordo com Nota Técnica divulgada em 20 de setembro de 2021 pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), o IPTU é, na maior parte dos municípios brasileiros, a sua 6ª ou 7ª receita mais relevante. A posição contrasta com diagnóstico feito pelo Banco Mundial, que destaca a importância de impostos sobre a terra e benfeitorias urbanas.

Segundo esse estudo, cinco fundamentos apoiam a tese de que impostos como o IPTU devem ser priorizados: a) grande potencial de arrecadação; b) maior estabilidade, dada a sua base imóvel; c) forte componente de equidade tributária, porque atrelado ao valor real do imóvel; d) caráter de imposto-benefício, recaindo com maior peso sobre propriedades cuja valorização decorre de investimento público; e) é um imposto visível que induz a um maior controle da qualidade dos serviços prestados pelo Poder Público.

Por ser um imposto patrimonial, sua incidência serve para tornar a arrecadação menos dependente da tributação de consumo, que penaliza os mais pobres. A falta de critérios objetivos de atualização da planta genérica de valores, a baixa progressividade e a precariedade dos cadastros municipais são fatores que impedem um aproveitamento mais eficiente dessa receita.

Há muito se discute, também, a necessidade de adoção de mecanismos de captura da valorização imobiliária decorrente de investimentos públicos. Sabe-se, por exemplo, que o mero anúncio de que uma estação de metrô será inaugurada em um determinado bairro já reflete no preço de seus imóveis. Os proprietários desses imóveis quase nada fizeram para viabilizar aquele equipamento, custeado por um conjunto muito mais amplo de contribuintes, mas absorvem a maior parte do incremento de valor decorrente de sua construção.

Trata-se de outra discussão interditada, o que também ocorre no caso da outorga onerosa do direito de construir, instrumento da política urbana que permite que se construa além do coeficiente básico estabelecido mediante pagamento, ainda pouco utilizado nas cidades brasileiras.

Não dá para morar no centro expandido, reivindicar saúde e educação públicas de qualidade, parques públicos exuberantes, sistemas eficientes de mobilidade urbana e menos desigualdade no acesso aos benefícios da urbanização e não querer pagar por isso.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com.