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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Parque Minhocão e o futuro da cidade

Colunista do UOL

02/12/2021 23h52

Nesta quinta-feira, dia 02 de dezembro, a Prefeitura de São Paulo decidiu que reabrirá o Parque Minhocão para pedestres e ciclistas durante a noite em dias úteis, das 20h às 22h. Nos últimos 20 meses, em virtude da pandemia da COVID-19, o Minhocão permaneceu fechado para as pessoas (e para os carros) nesse horário.

Além disso, houve a extensão do horário de funcionamento aos sábados, domingos e feriados das 19h às 22h e, por conseguinte, a ampliação do período de disponibilidade do mobiliário instalado em maio deste ano. Garantiu-se, ainda, que seguranças farão rondas no local, medida amplamente desejada pelos frequentadores.

Trata-se de uma vitória importante da população paulistana, que tem no Minhocão um parque linear de mais de 2,8 km, multiuso e acessível. A medida contou com o apoio da Associação Parque Minhocão, que desde 2013 articula uma série de iniciativas e de mobilizações em favor do parque.

O Minhocão é um dos temas que mais bile mobiliza na cidade de São Paulo. Praticamente todos os prefeitos que vieram após a gestão de Luiza Erundina sugeriram ou prometeram demoli-lo. A mudança na direção do vento ocorreu após as jornadas de junho de 2013, ocasião em que a cidade e seus modos de usar foram colocados em discussão.

O Parque Minhocão é consequência de uma peculiar confluência de fatores. Primeiro, a longeva apropriação de um espaço decaído pelas pessoas, quando isso não era moda por aqui. Tão logo Erundina decidiu fechá-lo para os carros à noite, em 1989, moradores do entorno pularam as cancelas para utilizá-lo como área de lazer. Depois, uma ação pragmática de militantes que dialogaram aberta e francamente com gestões de perfis ideológicos diferentes, obtendo, em cada uma delas, vitórias importantes.

Basta lembrar que foi na gestão Fernando Haddad que a desativação do Minhocão como equipamento viário foi introduzida no Plano Diretor Estratégico. Ainda com Haddad, obteve-se o fechamento aos sábados a partir das 15h, conquista que se ampliou com João Doria, que fechou o Minhocão para os carros durante todo o final de semana.

Nem mesmo os carros foram considerados inimigos a priori. Seria ingênuo achar que a experiência de um viaduto ocupado espontaneamente pelas pessoas resolveria o "carrocentrismo" de São Paulo. Ao invés de declarar guerra aos automóveis, entende-se que eles são aliados na preservação do espaço e que a disputa, quando há, resume-se a quanto do tempo da via é dedicado a cada uso.

Tais escolhas definiram, inclusive, a forma como o pensamento urbanístico enxergou essa experiência. Ela desafiou consensos e revelou contradições de parte do pensamento progressista além de uma clara seletividade de sua estratégia de ação: para muitos acólitos, o urbanismo tático - ou seja, a reapropriação e ressignificação do território pelas pessoas - deve ser festejado desde que não seja o que se manifesta no Minhocão; e a discussão sobre seu futuro deve se estender até que os tomadores de decisão concluam por sua demolição, num certo democratismo que já se falou neste espaço.

Nos vieses do debate público, o parque foi acusado de promover gentrificação. Não é necessário muito esforço para perceber que é exatamente a degradação da região causada pela implantação do elevado que manteve baixos os preços dos imóveis. E que investimentos públicos que requalificam o território são potencialmente causadores de valorização imobiliária, o que envolve tanto a criação de um parque quanto a demolição do elevado.

Nessa disputa mesquinha, deixou-se de lado pontos importantes: ampliar o debate sobre o uso de instrumentos urbanos para mitigar a gentrificação, definir os critérios e institucionalizar a sua governança para que os moradores tenham voz e enfrentar os desafios de projeto que permitam adaptar a via para ampliar a insolação dos baixios.

Estes debates não podem ser interditados. A experiência do Parque Minhocão ensina muito sobre as disputas da cidade, sobre o não-dito, sobre como as pessoas conseguem se organizar para além do que deseja para elas o mainstream. E é, para quem o frequenta, um espaço radicalmente inclusivo, plural e diverso. Talvez estejam aí algumas sementes de uma São Paulo melhor para todos.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com.