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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A cidade e a tática da interdição decisória

Colunista do UOL

16/12/2021 17h15

Um tema pouco abordado na análise política do planejamento urbano é o que, na falta de melhor expressão, pode ser denominado como "tática da interdição decisória". Trata-se de uma circunstância que, nos últimos tempos, tem se intensificado e afetado gestores de diversas cidades - e de diferentes partidos políticos.

A interdição decisória é uma estratégia de ação política aplicada fora das arenas de disputa de poder, como os parlamentos. Ela se apropria da legitimidade do debate democrático para gerar e amplificar uma tensão cujo único objetivo é impedir que uma determinada decisão seja tomada.

Sua operação ocorre em diversas frentes, quase sempre de forma articulada. É deflagrada, em geral, quando determinada questão politicamente sensível está prestes a ser decidida.

São formas clássicas da tática da interdição decisória: a) a mobilização de instituições do sistema de Justiça, como o Ministério Público, culminando, por vezes, na judicialização da questão; b) a instrumentalização de instituições representativas da sociedade civil por meio de manifestações públicas; c) a ativação de formadores de opinião na imprensa e nas redes sociais.

Esse roteiro foi observado na tentativa de impedir a gestão Fernando Haddad de reajustar o IPTU da capital paulista em 2013 - imposto que, como já discutido aqui, é fundamental para o financiamento das políticas públicas urbanas.

Mais recentemente, a decisão da Prefeitura de São Paulo de criar o Parque Minhocão também sofreu uma enxurrada de manifestações que pediam "mais debates" - o clássico "democratismo" que nada mais é do que a tentativa de estender a discussão até que as pessoas se convençam do contrário.

Não é fácil identificar seu percurso, o que demanda leitura atenta e olhar treinado. Os adeptos dessa prática costumam escorregar, contudo, na coerência. Quando lhes convém, certas decisões devem ser tomadas logo. Dentro de uma mesma discussão, a depender da circunstância, a posição (e a defesa enfática) sobre continuá-la ou não pode oscilar, sem maior constrangimento.

A tática da interdição decisória não é ilegal e, numa primeira leitura, tampouco ilegítima. Faz parte do jogo democrático se valer dos meios disponíveis para alcançar objetivos alinhados com essa ou aquela visão de mundo.

Usá-la sistematicamente, no entanto, pode inviabilizar projetos concebidos por atores eleitos pelo povo e, com isso, banalizar e enfraquecer o sentido da democracia. Se tudo pode ser decidido por um terceiro que não é eleito, como um juiz, por que gastar recursos e energia com eleições? Se assuntos candentes devem se submeter a discussões infinitas, por que buscar sua solução?

No momento em que a democracia passa por duros testes de resistência - enfrentando, inclusive, uma crise severa de confiança por parte dos cidadãos - não parece adequado criar mais chicanas e travas que deem o recado de que discussões são mais importantes que decisões. Ambas são importantes, mas sempre haverá o momento em que decisões deverão ser tomadas!

É evidente que denunciar condutas e decisões ilegais e imorais não é algo que deva se sujeitar à censura. No entanto, o mérito das decisões políticas, se compatível com a lei, deve ser julgado somente pelo eleitor, que não deve ser infantilizado ou descartado.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito da Cidade pela UERJ. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: wilsonlevy@gmail.com