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Para inflar economia do Brasil, áudio inventa que Mercedes esgotou produção

14.nov.2019 - Áudio inventa que produção da Mercedes-Benz está esgotada até 2021 para afirmar que Brasil pode se tornar maior economia do mundo - Arte/UOL
14.nov.2019 - Áudio inventa que produção da Mercedes-Benz está esgotada até 2021 para afirmar que Brasil pode se tornar maior economia do mundo Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

14/11/2019 20h07

Resumo da notícia

  • Um áudio anônimo diz que a produção da Mercedes-Benz no Brasil estaria esgotada até 2021, como reflexo do desempenho da economia brasileira
  • A própria empresa, no entanto, afirmou que isso não é verdade
  • O autor do áudio fala que ?a Europa toda está prevendo o Brasil se tornar a maior economia do mundo em pouquíssimo tempo?, sem citar qualquer fonte
  • A economia brasileira ainda não chega a 10% da americana, esta sim a maior do mundo
  • O conteúdo foi checado pelo Comprova, coalizão contra a desinformação formada por 24 veículos de imprensa e da qual o UOL faz parte

Não é verdade que toda a produção de caminhões da Mercedes-Benz no Brasil até o início de 2021 tenha sido vendida, informou a própria empresa ao Comprova. O boato viralizou no Facebook e em grupos de Whatsapp desde o fim de semana.

O autor de um áudio viralizado diz que foi a Joinville (SC) para uma reunião com o "Grupo Martinelli" e recebeu um "feedback" sobre uma palestra dada no dia 4 de novembro pelo presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer, na Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ).

A palestra de Schiemer na ACIJ de fato ocorreu e foi noticiada tanto no site quanto nas redes sociais da associação. Não houve, no entanto, qualquer menção ao conteúdo informado no áudio que viralizou, segundo o qual "a Europa toda está prevendo o Brasil se tornar a maior economia do mundo em pouquíssimo tempo" com as ações tomadas pelo governo Bolsonaro.

Considerando a projeção do PIB de 2019 calculada pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), a economia brasileira ainda é muito menor do que a maior economia do mundo, os EUA. O Brasil deve encerrar 2019 como a nona maior economia do mundo, com PIB de US$ 1,85 trilhão. Esse valor corresponde a menos de 10% da projeção para o PIB anual dos EUA: US$ 21,44 trilhões.

O narrador do áudio também afirma que é preciso apoiar o programa Mais Brasil, do governo federal, que seria "a pá de cal para desimpedir a economia brasileira". No entanto, além de o programa precisar da aprovação do Congresso para entrar em vigor, não há estudos aprofundados sobre os possíveis impactos das medidas propostas.

Em nota ao Comprova, a assessoria da Mercedes-Benz negou que o conteúdo do áudio seja verdadeiro. "Gostaríamos muito que o mercado brasileiro estivesse tão positivo a ponto de esgotar a nossa produção. Mas reforçamos que estamos diante de mais uma 'fake news'".

O Comprova solicitou acesso à gravação da fala completa de Schiemer durante o evento, mas tanto a Mercedes-Benz quanto a ACIJ disseram que não possuem arquivo com áudio ou vídeo da palestra.

Segundo o conteúdo viralizado, Schiemer teria dito que, "hoje, se algum transportador quiser comprar mais 10 caminhões novos da Mercedes, só a partir de maio de 2021 poderíamos aceitar".

Em nenhum momento, o autor do áudio diz seu nome, nem quando foi a suposta reunião, nem quem participou dela.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Como verificamos

O Comprova entrou em contato com a Mercedes-Benz do Brasil e a ACIJ por e-mail, além de buscar notícias sobre a visita do presidente da montadora à ACIJ no site da própria associação e em veículos de imprensa locais, como o NSC. Além disso, foram consultadas as atuais projeções do PIB de 2019 e de crescimento do PIB em 2020, segundo o FMI.

A economia brasileira pode se tornar a maior do mundo?

O autor do áudio fala ainda que "a Europa toda está prevendo o Brasil se tornar a maior economia do mundo em pouquíssimo tempo", sem citar qualquer fonte, estatística ou projeção. As fontes disponíveis publicamente apontam um cenário bastante diferente.

Um dos principais indicadores de uma economia é o PIB (Produto Interno Bruto). Ele revela o valor adicionado à economia em um determinado período. Uma das formas de calculá-lo é somar o valor dos bens e serviços finais produzidos pelo país no período de tempo analisado.

Considerando o PIB, a economia brasileira ainda é muito menor do que a maior economia do mundo, os EUA. Segundo dados do FMI, o Brasil deve encerrar 2019 como a nona maior economia do mundo.

Além disso, a última projeção de crescimento da economia brasileira, publicada pelo FMI, é de 0,9% - ante 2,5% que a entidade previa em janeiro deste ano.

Segundo cálculos do FMI divulgados em outubro, a projeção de crescimento da economia americana em 2019 é de 2,4%. Ano passado, os EUA cresceram 2,9%. A projeção da entidade para 2020 aponta crescimento de 2% para o PIB do Brasil e de 2,1% para os EUA.

Ou seja: pelo menos no ritmo de crescimento previsto pelo FMI, é impossível que a economia brasileira seja maior que a americana nos próximos anos.

O professor Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV/EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), explicou ao Comprova que um país não se torna a maior economia do mundo em tão pouco tempo.

"Para o Brasil ser a maior economia do mundo, não basta só ele crescer, os outros países têm que crescer menos. É difícil justificar que você consiga crescer mais que todo o resto por muito tempo. O que faz um país crescer é investir em educação, infraestrutura, mas isso leva muitos anos. Você não consegue um crescimento econômico forte em curto prazo. Isso leva tempo. Não é algo que em dois, três ou dez anos você ultrapassa", disse Sampaio.

O que é o Mais Brasil?

O narrador do áudio também afirma que o programa Mais Brasil, do governo federal, "é a pá de cal para desimpedir a economia brasileira", sem explicar nada sobre como isso poderia acontecer, nem o que seria exatamente "desimpedir a economia brasileira".

O Mais Brasil foi anunciado no começo do mês pelo governo. Trata-se de um pacote de medidas para reduzir as despesas e possibilitar investimento público, mas que ainda precisa do aval do Congresso.

Com o Mais Brasil, o governo prevê, por exemplo o repasse de R$ 400 bilhões para estados e municípios em 15 anos e a liberação de R$ 220 bilhões de fundos públicos para pagamento de juros. Ao mesmo tempo, o pacote traz propostas como reduzir as jornadas e salários de servidores quando a despesa pública obrigatória chegar a 95% das receitas; além da extinção de pequenos municípios.

Analistas ouvidos pelo Nexo no começo do mês viram com ceticismo a relação entre um ajuste nas contas públicas e o crescimento da economia. Eles alertam que uma redução nos gastos com salários de servidores, por exemplo, pode ter como consequência a retração da economia.

O que o presidente da Mercedes-Benz do Brasil disse em Joinville?

Nenhuma das fontes consultadas — NSC, ACIJ e Mercedes-Benz — cita a suposta venda de toda a produção de caminhões da montadora no Brasil até 2021. A Mercedes-Benz, inclusive, nega isso: "Essa afirmação não procede", declarou a empresa em nota.

Segundo nota publicada no site da ACIJ, Schiemer disse na palestra em Joinville que a Mercedes-Benz planeja investir R$ 4,8 bilhões no Brasil entre 2016 e 2023. O texto também diz que Schiemer informou a entrada em circulação de 100 mil novos caminhões no país este ano. O executivo indicou que há uma expectativa de crescimento no mercado de caminhões no Brasil nos próximos dois anos.

Um texto publicado no dia 4 no site NSC Total traz as mesmas informações da nota da ACIJ.

O que é o "Grupo Martinelli"? Eles sabem de quem é a voz no áudio?

Em resposta enviada por e-mail pela assessoria de imprensa, a ACIJ disse que não há um "Grupo Martinelli". O que existe são duas empresas catarinenses chamadas Martinelli Advogados e Martinelli Auditores. Ambas, segundo a ACIJ, são comandadas pelo empresário e advogado João Joaquim Martinelli.

João Joaquim Martinelli também é presidente da ACIJ. Segundo a associação comercial, ele afirma que a reunião citada no áudio não aconteceu, e que não sabe a procedência da gravação.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

De acordo com o Monitor de WhatsApp da UFMG, o áudio circulou em 66 grupos públicos no aplicativo até segunda-feira (11).

No domingo (10), o áudio foi postado no Facebook, em forma de vídeo, pelo perfil Jose Marcio Castro Alves. O Comprova enviou mensagens para Alves por email e pela rede social, mas não obteve resposta.

Até esta quinta (14), o vídeo teve 21,7 mil compartilhamentos e 272 mil visualizações. O vídeo é ilustrado por uma montagem com uma foto da sede da Mercedes-Benz no Brasil, em São Bernardo do Campo (SP), e uma imagem do presidente Jair Bolsonaro (PSL). A montagem é acompanhada pela frase "Ótima notícia".

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.