Alimentos doados pelo MST foram enviados para palestinos, não ao Hamas
Projeto Comprova
01/11/2023 17h58
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enviou, no dia 30 de outubro, cerca de duas toneladas de alimentos para o fornecimento de assistência humanitária aos palestinos na Faixa de Gaza no contexto da guerra entre Hamas e Israel. O carregamento foi feito em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e levou arroz, farinha de milho e leite em pó para ajudar a população civil, e não o Hamas, como alegam publicações nas redes sociais. Os mantimentos foram entregues ao movimento humanitário sem vínculo estatal Crescente Vermelho, um braço da Cruz Vermelha, que acessaria a região a partir da fronteira com o Egito.
Conteúdo investigado: Publicações usam imagens de integrantes do MST segurando alimentos ao lado de duas bandeiras, uma do próprio movimento e outra da Palestina. Há uma legenda com os dizeres: "Quem iria desconfiar que o MST está doando alimentos para o Hamas que está sendo transportado pela FAB?".
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Onde foi publicado: Telegram e no X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Publicações enganam ao afirmar que alimentos doados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) seriam destinados para o grupo Hamas, em conflito armado desde o início de outubro com Israel. Os mantimentos que deixaram o Brasil no último dia 30, com destino ao Egito, serão para ajuda humanitária a palestinos na Faixa de Gaza, uma das áreas mais afetadas pela guerra.
Pelas redes sociais, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta, explicou que o avião enviado para "continuar o trabalho de repatriação dos brasileiros" que estão na zona de guerra foi utilizado também para enviar ajuda humanitária. A explicação também foi publicada na Agência Gov.
O avião enviado irá substituir outra aeronave presidencial de mesmo porte que está no Cairo, capital do Egito, há duas semanas, aguardando para fazer a repatriação de brasileiros que estão na Faixa de Gaza. O veículo que estava na cidade egípcia tem manutenção programada no Brasil agendada para os próximos dias e precisa retornar.
O carregamento incluiu arroz, açúcar, derivados de milho e leite em pó produzidos pelas famílias do MST em todo o Brasil. O movimento ressaltou que pretende enviar 100 toneladas de alimentos para os territórios ocupados por palestinos, em ações viabilizadas com apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE), como aconteceu neste caso. A FAB confirmou o transporte, mas ressaltou que cuidou apenas do translado dos alimentos e que o avião já chegou ao destino, em Cairo, no Egito. No entanto, a logística de preparo foi feita pelo governo brasileiro por meio do MRE.
Em comunicado à imprensa, o ministério informou que o governo federal e a sociedade civil estariam fazendo "nova contribuição para os esforços internacionais de assistência humanitária aos afetados pelo conflito na Faixa de Gaza, com a doação de 2 toneladas de alimentos oferecida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra".
Ao Comprova, a pasta reiterou o posicionamento e explicou que os alimentos foram entregues ao Crescente Vermelho, um braço da Cruz Vermelha, movimento humanitário não vinculado a qualquer Estado e cuja atuação é amparada pela Convenção de Genebra, documento internacional adotado em 1949 que estabelece as regras destinadas a proteger as vítimas da guerra. A entidade assumiu a responsabilidade de coordenar a logística de transporte, o cruzamento da fronteira e as entregas em Gaza. O mesmo foi feito quando o Brasil enviou 40 purificadores de água em 16 de outubro.
Assim como na primeira entrega, a Embaixada do Brasil no Egito comunicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros egípcio sobre o envio das doações e o Crescente Vermelho, que organiza a entrega. A aeronave aguardava, até 31 de outubro, a autorização para decolar para o aeroporto Al-Arish, que fica a pouco mais de 50 quilômetros da passagem de Rafah, na fronteira entre Egito e Gaza. O Crescente Vermelho faz a entrega dos materiais em caminhões, mas depende de autorização das autoridades israelenses.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 1º de novembro, foram mais de 160 mil visualizações, 5 mil curtidas e mil compartilhamentos no X (antigo Twitter). No Telegram, foram mais de 15,5 mil visualizações.
Como verificamos: Inicialmente, fizemos uma busca no Google com os termos "avião MST alimentos" e fomos direcionados para diversas matérias de veículos de comunicação abordando o envio dos alimentos. Consultamos também o site oficial do MST, que, no dia 31 de outubro, dava destaque às informações sobre o envio dos mantimentos. Entre os conteúdos encontrados no portal, está uma das fotos usadas na peça de desinformação, dos integrantes do movimento fazendo a entrega dos alimentos ao lado da bandeira do MST e da Palestina.
Entramos também em contato com Ministério das Relações Exteriores (MRE) e com a Força Aérea Brasileira (FAB) para saber mais informações sobre a entrega dos produtos.
ONU alerta risco de fome generalizada em Gaza
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) alertou, em 12 de outubro, que comida e água potável estão em quantidade perigosamente baixa na Faixa de Gaza. O anúncio aconteceu dois dias depois de Israel anunciar um bloqueio total ao território, em resposta aos ataques do Hamas ao país. Diante da crise, a agência alimentar de emergência da Organização das Nações Unidas (ONU) pediu a criação de corredores humanitários para levar alimentos para a região.
"É uma situação terrível a que estamos vendo evoluir na Faixa de Gaza, com alimentos e água escassos e esgotando rapidamente", disse Brian Lander, vice-chefe de emergências do PMA, à Reuters. Na ocasião, ele ainda frisou que o PMA fornece alimentos a milhares de pessoas que procuram por abrigos em escolas e em outros locais de Gaza, mas que "ficaremos sem comida muito em breve". Em 15 de outubro, a agência alimentar voltou a alertar para o risco de fome generalizada.
Israel anunciou um cerco total à Faixa de Gaza com o bloqueio de alimentos, combustível e água no território palestino e fechando pontos de passagem após o ataque do Hamas em 7 de outubro. Em cerca de 25 dias de conflito, o número de vítimas passa de 9,7 mil - sendo 8.306 palestinos e 1.405 israelenses, segundo dados dos governos e demais autoridades locais.
Como publicou o G1, um representante do governo de Israel disse que "não há falta de comida em Gaza" e que há água e serviços médicos suficientes para a população da região. No entanto, no último dia 29, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), que presta serviços públicos e ajuda humanitária na região, reforçou a falta de suprimentos e a insuficiência de recursos que chegam em Gaza pelo Egito.
O que é o Hamas?
O post analisado alega que os alimentos serão enviados ao Hamas, em uma generalização sobre a população de Gaza. No entanto, enquanto o Hamas possui cerca de 30 mil combatentes, segundo dados israelenses, a população da região é de cerca de 2,2 milhões de pessoas.
A organização fundamentalista Hamas se define como um movimento de resistência baseado no Alcorão, o livro sagrado da religião islâmica. O grupo controla a Faixa de Gaza desde 2006, quando assumiu a região após uma disputa violenta com o Fatah, que hoje governa a Cisjordânia, o outro território palestino ocupado por Israel. Em 2006, o Hamas venceu as eleições gerais palestinas, mas o Fatah não aceitou ceder o comando da Autoridade Nacional Palestina (ANP), o que engolfou os dois partidos em um confronto.
O Hamas foi criado durante a Primeira Intifada palestina, um movimento contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. A carta que sinaliza sua fundação, de 1988, rechaça a existência do Estado de Israel. O Projeto Comprova já esclareceu que a Autoridade Palestina e o Hamas não são o mesmo grupo.
Brasil não classifica Hamas como grupo terrorista
O governo federal não considera o Hamas como organização terrorista, seguindo a visão da ONU, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 27 de outubro. A decisão segue o posicionamento histórico do Brasil em concordar com a classificação do Conselho de Segurança da organização.
O presidente declarou que "a posição do Brasil é a mais clara e nítida possível". "O Brasil só reconhece como organização terrorista aquilo que o Conselho de Segurança da ONU reconhece, e o Hamas não é reconhecido pelo Conselho como organização terrorista, porque ele disputou eleições na Faixa de Gaza e ganhou", disse a jornalistas. Apesar da definição, Lula afirmou que o país vê as ações do grupo islâmico como atos terroristas.
Países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e membros da União Europeia classificam o Hamas como grupo terrorista. No entanto, Noruega, Suíça, Rússia e China, assim como o Brasil, não adotam essa definição e mantêm um princípio de neutralidade, atuando como mediadores em conflitos.
Em 18 de outubro, os EUA rejeitou o texto proposto pelo Brasil sobre a guerra entre Israel e o Hamas. O país havia elaborado uma resolução que seria a primeira manifestação formal da ONU sobre o conflito no Oriente Médio. A proposta brasileira condenava os ataques terroristas do Hamas e cobrava Israel - sem mencioná-lo - pelo fim do bloqueio à Gaza. Com a rejeição estadunidense, o texto foi vetado no Conselho de Segurança.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o perfil que publicou o conteúdo no X e também pelo email da página, disponibilizado na descrição do grupo no Telegram. Em nenhum dos dois canais houve resposta até a publicação desta checagem.
O que podemos aprender com esta verificação: Em meio ao conflito entre Israel e Hamas, muitas publicações usam o momento para espalhar desinformação. Neste caso, o post usa informações reais de forma enganosa para levar a uma interpretação diferente da verdadeira. Há uma distorção sobre os civis palestinos que vivem na Faixa de Gaza, com a sugestão falsa de que todos seriam integrantes do Hamas. Em situações como essa, é importante procurar por informações confiáveis e seguras para entender o que, de fato, está sendo informado, além de verificar se a alegação é verdadeira ou não.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Desde o início do conflito armado entre o grupo Hamas e Israel, diversas peças de desinformação passaram a circular nas redes sociais. O Comprova já mostrou que é falso que integrantes do grupo extremista chegaram ao Brasil e que o governo federal doou R$ 25 milhões à Autoridade Palestina para ajuda humanitária, e não ao Hamas. O MST também já foi alvo de verificações do Comprova, como a que afirma que policiais foram expulsos pelo movimento de protesto em rodovia no Paraná, e não feitos reféns, e que post engana ao associar ao movimento plantação de maconha na Bahia.
Este conteúdo foi investigado por O Povo e O Estado de S. Paulo. A investigação foi verificada por NSC Comunicação, UOL, Metrópoles, A Gazeta e Folha de S. Paulo. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 1 de novembro de 2023.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.