Senado quer punir mentiras eleitorais, não críticas ao sistema de votação

Proposta no Senado não prevê pena de sete anos por "duvidar das urnas", como afirmou o ex-presidente. O objetivo do texto é coibir a disseminação de notícias falsas durante campanhas.

Não tramita no Senado um projeto de lei que determina pena de sete anos de prisão para quem apenas questionar o processo eleitoral, diferentemente do que afirmou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A declaração distorce o conteúdo do artigo 869, incluído no substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 112/2021, que dispõe sobre as normas eleitorais e as normas processuais eleitorais brasileiras. O projeto é de autoria da deputada Soraya Santos (PL-RJ) e atualmente está sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI).

O texto propõe pena de reclusão de 1 a 4 anos, além de multa, para quem divulgar, durante campanhas eleitorais, informações sabidamente falsas com potencial de comprometer a integridade do pleito. A pena pode ser aumentada em casos agravantes, mas não atinge sete anos, como afirmou o ex-presidente.

A declaração de Bolsonaro foi dada em entrevista ao vivo no dia 25 de junho em um canal no YouTube e repercutiu nas redes sociais, especialmente no X. Ele ainda declarou que "não é assim que se faz democracia" e que "ninguém pode ser preso por isso". O objetivo do artigo 869 não é punir opiniões ou críticas legítimas ao sistema de votação, mas sim conter a disseminação de desinformação com capacidade de afetar a lisura do processo eleitoral. Para o Estadão Verifica, que checou o mesmo conteúdo, o promotor de Justiça aposentado e professor de Direito Eleitoral Edson de Resende Castro afirmou que "o projeto de Novo Código Eleitoral que está no Senado não prevê como crime o simples fato de 'duvidar' do sistema eleitoral".

O crime é agravado quando a ofensa é feita por meio da imprensa, rádio, televisão, internet ou redes sociais, inclusive em transmissões ao vivo. Também se caracteriza quando há menosprezo ou discriminação contra a condição de mulher, ou em razão da cor, raça ou etnia da vítima.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A página do X que publicou o vídeo com a fala de Jair Bolsonaro costuma divulgar cortes de entrevistas e trechos de vídeos extraídos de diferentes veículos de mídia, com foco principal em temas políticos. Também posta textos curtos com aparência de notícia, muitas vezes sem apresentar o devido contexto. Para atrair atenção, utiliza recursos visuais como o emoji de sirene e expressões como "URGENTE".

O vídeo em questão foi extraído de uma entrevista concedida por Bolsonaro a um canal no YouTube que se apresenta como especializado em política, economia, geopolítica e atualidades. O canal se autointitula "a rádio mais patriota do Brasil" e afirma ter a maior audiência das manhãs no YouTube nacional. O canal onde o conteúdo foi veiculado tem viés bolsonarista e frequentemente favorece o ex-presidente e sua família.

Até 30 de junho, a postagem no X havia alcançado 164,5 mil visualizações, 12 mil curtidas e 3 mil compartilhamentos. No YouTube, o vídeo da entrevista somava 244.608 visualizações e 33 mil curtidas.

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Procurada pelo Comprova, a página Space Liberdade, responsável pela publicação no X, não quis comentar o conteúdo divulgado. Limitou-se a afirmar: "divulgamos uma fala de Bolsonaro". A reportagem também procurou o ex-presidente, mas não obteve resposta.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação feita pela página do X adota táticas recorrentes em ambientes digitais de forte apelo político, como o uso da palavra "AGORA" acompanhada de emojis de sirene. Esse tipo de chamada busca criar uma sensação de urgência, estimulando o consumo rápido e impulsivo do conteúdo.

O vídeo reforça a fala de ataque às instituições feita pelo ex-presidente, que apresenta o projeto de lei em discussão no Senado como uma ameaça à liberdade de expressão. Ao sugerir que a proposta prevê prisão apenas por duvidar do sistema eleitoral, Bolsonaro distorce o conteúdo do texto legislativo e apela para emoções como medo e indignação.

A fala do ex-presidente soa convincente para parte do público porque adota uma linguagem alarmista, simplifica um projeto complexo e omite informações cruciais — como o fato de que a proposta trata da disseminação intencional de desinformação, e não de críticas legítimas ao processo eleitoral. Ao se posicionar como figura de autoridade, ele amplia o potencial de impacto da desinformação, especialmente entre pessoas que já nutrem desconfiança em relação ao sistema eleitoral.

A combinação entre apelo emocional, distorção do conteúdo e uso de estratégias digitais que geram engajamento contribui para consolidar uma narrativa de perseguição política e censura, mesmo sem respaldo nos fatos.

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Fontes que consultamos: A reportagem pesquisou no Google a frase "projeto prevê 7 anos de cadeia para quem duvidar do sistema eleitoral", que retornou uma verificação do Estadão sobre o mesmo assunto, mas que aborda outro momento em que Bolsonaro emitiu o mesmo discurso. Uma busca reversa — técnica que consiste em enviar uma imagem para ferramentas como Google ou TinEye, a fim de localizar sua origem ou outras versões na internet — levou até o canal de YouTube onde a entrevista foi concedida. Também foi acessado o site do Senado Federal, que publica as atualizações do Projeto de Lei.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Estadão Verifica checou que projeto no Senado prevê penalizar quem divulgar fatos sabidamente inverídicos em campanha eleitoral. O Comprova também demonstrou que não há dispositivo nas urnas eletrônicas capaz de alterar votação, ao contrário do que diz postagem e é falso que TSE tem 32 mil urnas grampeadas com o objetivo de fraudar a eleição.

Notas da comunidade: Não foram incluídas notas da comunidade nesta publicação do X.

Este conteúdo foi investigado por UOL e Correio de Carajás. A investigação foi verificada por, Estadão, Jornal do Commercio e Correio Braziliense. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 01 de julho de 2025.

Comprova

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.

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